sábado, 24 de dezembro de 2011

O NOVO ARTIGO 311-A DO CÓDIGO PENAL (COLA ELETRÔNICA)

      Final de ano. Época de vestibulares. “Véspera” de mundial de futebol no nosso país e, por conseguinte, 2012 possivelmente será o ano dos concursos públicos, conforme já anunciado.
      Conhecemos adolescentes que se preparam durante toda a vida escolar para o ingresso na tão almejada universidade. Outros, nem tão jovens - como eu - desejam incansavelmente a investidura em algum cargo público. E, ressalto, não é a sofismática estabilidade que atrai tanta gente; Por experiência própria, digo que o espírito público é inerente à algumas pessoas, fazendo com que elas só se sintam completas como ser humano exercendo ou fazendo parte do munus público.
      Assim, como evitar a decepção de ter o vestibular fraudado ou o concurso anulado? Ou ainda, descobrir, depois de anos, que a sua vaga foi roubada por alguém que subornou o fiscal da prova...
      No dia 15 de dezembro passado, a presidente sancionou a Lei 12.550/2011, que, entre outras disposições, instituiu o artigo 311-A do Código Penal:

Art. 311-A.  Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I - concurso público;
II - avaliação ou exame públicos;
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.
§ 2o  Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 3o  Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público. 
            
      Analisando teleologicamente o dispositivo acima e considerando-se a época de sua publicação, fica claro o caráter de urgência e o simbolismo político nele implícito.
      Simbolismo, porque veio de maneira urgente (pra não dizer de última hora) para preencher uma lacuna do nosso ordenamento.
      Até então, conforme já havia se pronunciado o STF (Inq 1145, Relator:  Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2006, DJe-060 DIVULG 03-04-2008), a “cola eletrônica” era um fato atípico. Embora alguns tenham considerado que esse tipo de fraude caracterizava estelionato (art. 171 do CP), prevaleceu o entendimento de que a dita “cola eletrônica” não era estelionato, pois não se verificava obtenção de vantagem econômica (patrimonial); também não poderia ser enquadrada como falsidade ideológica porque, por mais fraudulenta que fosse a sua origem, as respostas fornecidas pelo candidato teriam correspondência com a realidade.
      Com o advento da Lei em comento, não restam dúvidas de que a “cola eletrônica” passou a ser uma conduta criminosa, pois aquele que envia as respostas ao candidato que faz a prova está divulgando, com o intuito de beneficiar outrem (e a si também), conteúdo sigiloso de certame.
      Da mesma forma, em co-autoria, incide no crime aquele que recebe e utiliza as informações de conteúdo sigiloso com o fim de beneficiar-se, pois o caput do artigo 311-A é claro e abrangente ao empregar os verbos utilizar ou divulgar.
      Como se vê, trata-se o novo artigo do Código Penal (das fraudes em certames de interesse público) de um crime comum, que não exige características especiais do seu agente ativo (v.g., que ele seja servidor público).
      Outrossim, da leitura atenta do dispositivo, pode surgir dúvida quanto à sua aplicabilidade aos certames privados (vestibular de instituições privadas). O inciso III somente refere processo seletivo para ingresso no ensino superior. Da mesma forma, o § 2° (que se trata de uma qualificadora pelo resultado), enuncia que a pena será aumentada se da ação ou omissão resultar dano à administração pública. Assim, conclui-se pela aplicabilidade do crime referido às fraudes em vestibulares privados, bem como outros certames que venham a ser elaborados por empresas privadas.
      Por fim, a crítica que provavelmente virá à tona será em relação à pena cominada aos fraudadores. Reclusão de um a quatro anos* é a mesma pena do furto; é ainda menor que a do estelionato (apesar de o crime me soar como uma modalidade de estelionato).
      Ora, a vítima do crime do 311-A é, invariavelmente, a coletividade; E, de forma solidária, o ente público ou privado que organizou e aplicou a prova, bem como todos os outros candidatos que participaram do exame. A conduta do agente frustra o sonho de milhares de pessoas, em alguns casos a nível nacional. Causa prejuízos financeiros irreparáveis à administração pública em caso de anulação de um concurso. Como pode caber uma pena idêntica à de furto simples?
      Só nos resta esperar pela fiscalização do Estado e correta aplicação da lei, já que, em face da gravidade do delito, da extensão dos danos causados e do anseio popular, o legislador não foi razoável nem proporcional ao cominar pena branda.

Raul Gomes Nunes

*Destaca-se que a pena do artigo 311-A, além de 1 a 4 anos de reclusão, prevê multa. Ressalta-se, também, novo inciso V do artigo 47 do CP (proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos).

1 comentários:

Unknown disse...

Excelente publicação Sr. Raul Gomes Nunes. Espero que nós, gente do bem, assim espero, não sejamos ludibriados nos concursos da vida.
Mas uma coisa é a mais pura verdade. Pelos meus cálculos 90% dos concurseiros são mercenários. Ou seja, só visam lucro.
A moral é que "vale tudo"...
De minha parte espero que comece a valer a lei e sua aplicação.
Pois, sabem os sábios: "teoria (lei) sem aplicabilidade (sentença) só serve para lunáticos estudiosos"

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