quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Penas mais duras são eficazes contra os crimes econômicos?


O Direito Penal Econômico, segundo a doutrina, pode ser denominado como o conjunto de normas que regulam as condutas que atentem contra a economia como um todo. Logo, delitos econômicos são condutas puníveis porque romperam o equilíbrio necessário ao bom desenvolvimento das atividades e do fenômeno econômico (público e/ou privado), causando dano ou ameaça à ordem econômica.

Entretanto, o “público diferenciado” de autores desses delitos, em geral bem sucedidos, escolarizados e influentes, faz com que as sanções convencionais tornem-se praticamente ineficazes na prevenção de novos crimes.

Segundo Cleber Masson, três teorias justificam a existência e a imposição de uma pena: a absoluta, para a qual a finalidade da pena é retributiva; a relativa, para a qual os fins da pena seriam estritamente preventivos e, por fim, a mista ou unificadora, segundo a qual a pena apresenta duas finalidades: retribuição e prevenção.[1]

Já os fundamentos da pena (objetivos buscados pela sua aplicação), segundo o mesmo autor, podem ser enumerados como retribuição, reparação, denúncia, incapacitação, reabilitação e dissuasão.[2]

 De acordo com os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes, a macrocriminalidade econômica envolve “delitos econômicos, financeiros, tributários, previdenciários, ecológicos, imobiliários, lavagem de capitais, evasão de divisas, corrupção política etc.”[3], sendo representada, portanto, por delitos que não são praticados pela classe menos favorecida social e economicamente, visando unicamente a satisfação de suas necessidades primárias; ao contrário, seus autores, em geral, ocupam posições sociais de maior expressão, reclamando sanção diversa da privação de liberdade, sobretudo das penas mais longas, uma vez que o que se busca não é exatamente a ressocialização desses indivíduos.

Entretanto, a doutrina moderna não nega que o caráter aflitivo de eventual privação de liberdade dos autores de crimes do white collar atenderia muito bem a prevenção geral (dissuasão), inibindo novas condutas advindas de outros agentes que demonstram total desprezo pela ordem jurídica.

A criminalidade econômica existe porque existe economia e, nesse raciocínio, a maioria expressiva de seus delinquentes são homens que circulam pelos corredores do meio econômico e do progresso, quase sempre acobertados e beneficiados pela impunidade propiciada pelo Estado.

São delitos que fogem das clássicas visões de crime-indivíduo, crime-pobreza e crime-drama ocasional, pois se perfectibilizam, via de regra, em grupos, não são praticados por pessoas pobres e, sobretudo, estão inseridos no cotidiano da vida econômica, ou seja, nas entranhas do Estado e outras fortes instituições.[4]

Por óbvio, é mais fácil à justiça combater a criminalidade comum promovida pelos pequenos delinquentes do que impor-se frente aos grandes poderes, pois as infrações praticadas no nível estrutural do sistema político, apesar de ser largamente criticada pela sociedade, é pouco legislada e perseguida, resquício de épocas pretéritas em que o povo se punha a serviço do Estado, e não o contrário.

A despeito da independência dos três Poderes, não se pode negar que entre eles há uma grande e perene interdependência, o que representa um desafio à própria eficácia do sistema constitucional de pesos e contrapesos e, sobremaneira, ao combate à criminalidade institucional. O judiciário sofre fortes pressões do executivo e, mais recentemente, no julgamento da AP 470, os embates entre o legislativo e o judiciário não saíam dos noticiários. Por sua vez, o executivo manteve relativa neutralidade, por questões óbvias.

A (in)eficácia do Direito Penal em combater a nova criminalidade traz, além de descrédito no judiciário, grandes mudanças paradigmáticas: alguns delitos tão combatidos no passado, como um furto simples, já não possuem a mesma relevância no seio da sociedade, mas permanecem devidamente tipificados; entretanto, crimes tão presentes e causadores de prejuízos de grande monta, como os da área digital e informática, bem como o tráfico de influência, ainda não encontram-se abrangidos pelo ordenamento.

Para que o enfrentamento à criminalidade econômica seja eficaz, primeiramente se faz necessário abandonar a valoração do status social do autor, causa de grande parcela da impunidade, pois privilegia os poderosos e desmerece os menos favorecidos, etiquetando-os. De outra banda, muito mais eficaz seria a resposta constituída por penas mais curtas porém intensas, com o seu cumprimento iniciando-se logo após a condenação, obrigando o agente a reparar os danos à vítima e devolver o que conquistou ilicitamente, com a certeza de que o agente efetivamente refletirá sobre a gravidade dos seus atos pois, como já disse Beccaria, “não é a crueldade das penas um dos grandes freios dos delitos, senão a infalibilidade delas”[5]. E, sobretudo, não olvidar que o longo encarceramento de indivíduos que, além de já iniciados no crime, via de regra são bem relacionados no cenário político e econômico, detêm vasto conhecimento jurídico e estrutural e são dotados de forte poder de persuasão, pode representar um risco de contaminação aos demais detentos e mesmo a segurança penitenciária, desvirtuando por completo a finalidade da pena, qual seja, coibir novas condutas delituosas.

 

Raul Gomes Nunes



[1] MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal esquematizado: Parte Geral. 5.ed. São Paulo: Método, 2011. p. 543.
[2] Idem, p. 547.
[3] GOMES, Luiz Flávio. A impunidade da macrodelinquência econômica desde a perspectiva criminológica da teoria da aprendizagem. Disponível em: <http://letrasjuridicas.cuci.udg.mx/> Acesso em: 09 jan. 2013.
[4] GOMES, op. cit.
[5] BECCARIA, Cesare. De los delitos y de las penas. 3.ed. São Paulo: Edijur, 2012.

 
Powered by Blogger | Printable Coupons