quinta-feira, 28 de abril de 2011

A ATIVIDADE DO JURADO E A LIBERDADE RELIGIOSA

          Em texto anterior falamos sobre a liberdade religiosa e as datas para concursos, sendo que, naquela ocasião, concluimos que por mais que o Estado tenha o dever de respeitar a garantia constitucional de liberdade religiosa, protegendo os locais de culto e suas liturgias, a administração pública não está vinculada aos preceitos de qualquer entidade de cunho religioso. Quer dizer, assim, que os concursos marcados para sábados, domingos ou quaisquer outros dias "sagrados" não estão, definitivamente, violando a garantia constitucional da liberdade de crença. A atividade pública não precisa se adequar às prescições de qualquer rito.
          O inciso VI do art. 5º de nossa Constituição assegura que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;", no mesmo sentido, o inciso VIII afirma que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;".
          O Código de Processo Penal, em seu art. 436 dispõe no Art. 436 que "o serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade". Diante de tal afirmação, percebemos a existência de uma imposição legal ao exercício do cargo de jurado. Assim, estando em consonância com a parte final do inciso VIII do art. 5º da CF, a atuação do jurado seria uma exigência ou obrigação legal e o cidadão, desse modo, estaria impedido de invocar convicção religiosa ou filosófica para eximir-se da obrigação imposta em lei.
          Entretanto, a própria legislação processual penal abarcou a hipótese de invocação de convivcção religiosa ou filosófica para o caso de recusa do serviço de jurado, assim, dispôs-se na nova redação do Art. 438 que a recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. 
          Ao que nos parece, somente com a reforma do CPP pela lei 11.689 de 2008, o legislador encontrou a razoabilidade exigida ao caso concreto do jurado no Tribunal do Juri. Se, por um lado, a aplicação de provas e concursos em determinados dias da semana não infringe a liberdade religiosa constitucionalmente garantida, por outro, com relevante sensibilidade agiu o legislador na dispensa do jurado que, devido a suas convicções, poderá se eximir do ônus legal no Tribunal. Afinal, algumas crenças pregam como único e verdadeiro o "julgamento divino" e, neste caso, o procedimento jurisdicional aqui estudado restaria prejudicado em sua atividade decisória subjetivamente complexa.
        

Lucas 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DA PROVA

            As leituras da obra Curso de Direito Processual Penal, do autor Nestor Távora, incentivaram-me a compartilhar algumas informações que julgo interessantes. Saliento que, mesmo com a prevista reforma do CPP, tal matéria continuará em voga, pois se atém, muito mais, à análise do processo geral do que propriamente do processo penal.
          Vejamos: 
          O objetivo da prova no processo é o convencimento do julgador. Por meio do manancial probatório juntado aos autos, a parte poderá demonstrar a existência, validade e eficácia de determinado fato jurídico, bem como do direito pessoal que recai sobre este fato. "Esta é a fase da instrução processual, onde se utilizam elementos disponíveis para descortirar a verdade do que se alega, na busca de um provimento judicial favorável".
           No sistema jurídico brasileiro e, especificamente tratando-se de direito processual penal, podemos citar a existência predominante de um tipo de apreciação da prova, qual seja: o consagrado sistema do livre convencimento motivado. Nele, cabe ao magistrado a tarefa de análise dos fatos e das provas constantes no processo, sendo que, por livre sopesamento e valoração dos documentos, declarações e exames existentes nos autos, poderá o magistrado sustentar sua decisão, desde que o faça de forma motivada, ou seja, com fundamentação jurídica plausível. Assim "Não existe hierarquia entre as provas, cabendo ao juiz imprimir na decisão o grau de importância das provas produzidas". De toda forma, como salientei anteriormente, "essa liberdade, por sua vez, não é sinônimo de arbítrio, cabendo ao magistrado, alinhado às provas trazidas aos autos, fundamentar a decisão, revelando, com amparo no manacial probatório, o porquê do seu convencimento, assegurando o direito das partes e o interesse social".
            Entretanto, é comum que o estudante de direito, e até mesmo o profissional, façam confusão quanto aos termos "reitor" e "exclusivo" no tratamento dos sistemas de apreciação da prova. Na maioria dos manuais de Teoria Geral do Processo, Processo Civil e Processo Penal encontraremos o termo "reitor" quando qualificam o sistema de apreciação probatória do livre convencimento motivado. Porém, quando observamos tal anotação, não podemos pensar em "exclusividade" deste sistema, pois outros dois são encontrados em nosso ordenamento.
            O sistema da certeza moral do juiz, ou íntima convicção, é caracterizado pela total liberdade de apreciação das provas pelo julgador, ficando ele, inclusive, isento da obrigação de motivação na decisão. Pode utilizar-se, ainda, de elementos que sequer constam nos autos, bem como suas crenças pessoais e preconceitos morais, afinal de contas, não  é necessário fundamentar o veredito. A segunda fase do julgamento pelo Tribunal do Júri, quando os jurados decidem sobre a condenação ou absolvição do réu, representa o melhor exemplo de aplicação deste sistema no Brasil.
            Por fim, o sistema da certeza moral do legislador, ou da prova tarifada, é caracterizado pela valorização de determinadas provas em detrimento de outras pela via legal. Ou seja, a própria lei determina o peso de cada prova, estabelecendo hierarquia entre elas e, dessa forma, mitiga a liberdade apreciativa do julgador. Como exemplo, podemos citar o artigo 158 do Código de Processo Penal, quando estabelece que o exame de corpo de delito, em crimes que deixam vestígios, não poderá ser substituído por confissão.
            É obvio que o primeiro sistema que abordamos é amplamente aceito em nosso ordenamento, até porque, se enquadra às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório tão exigidas em nossa doutrina e jurisprudência. Porém, cabe alertar que a vigência desse sistema não é exclusiva, mas sim, majoritária ou preferida.

Lucas 

sábado, 9 de abril de 2011

O ABORTO - POR RONALD DWORKIN

            Ronald Dworkin é um filósofo do Direito norte-americano e, atualmente, é professor de Teoria Geral do Direito na University College London e na New York University School of Law. Estudou na Universidade Harvard e no Magdalen College da Universidade Oxford, onde era aluno de Rupert Cross e um Rhodes Scholar. Depois, estudou na Harvard Law School e, posteriormente, atuou como assistente do renomado juiz Learned Hand da Corte de Apelo dos Estados Unidos. Em 1969, Dworkin foi indicado para a Cadeira de Teoria Geral do Direito em Oxford como sucessor de H.L.A. Hart. Depois de se aposentar de Oxford, Dworkin assumiu a cátedra Quain de Filosofia do direito em University College London, assumindo, em seguida, a cátedra Bentham de Teoria do direito, uma posição que ainda mantém.
            Estou terminando a leitura do livro "O domínio da vida", que Dworkin escreveu em 1993. Na obra, o autor reflete sobre algumas questões de grande discussão e contradição na sociedade ocidental mundial, tais como, aborto, eutanásia e tratamento da velhice. O livro, em si, é rico em abstrações e exemplos filosóficos que explicam as opiniões de Dworkin. Durante as explanações, o autor evita referenciar teorias filosóficas de certa complexidade, preferindo, em contraparida, oferecer exemplos que esclareçam o leitor sobre as diferentes formas de pensamento filosófico sobre os assuntos tratados.
            Em linhas gerais, procurarei sintetizar a opinião de Dowrkin sobre o aborto. Acredito que a leitura completa do livro continue sendo indispensável para qualquer acadêmico de direito, principalmente aos que desejam entender o ordenamento jurídico, e não apenas aplicá-lo.
             Além disso, é necessário salientar que a pesquisa se atém, principalmente, ao seguinte aspecto: Deve o Estado interferir nas decisões particulares e, assim, proibir o aborto por meio de previsão legal penal?
             Para discutir tal questão, o autor elenca dois modos de pensamento que podem basear a justificativa da proibição do aborto, ambos presentes na sociedade ocidental, sendo eles, o modo de pensamento "derivativo" e o  "independente".
            Aquelas pessoas que defendem a proibição do aborto de acordo com o pensamento "derivativo" entendem que o feto, desde a concepção, é um sujeito com direitos individuais e, dessa forma, ninguém poderia retirar do feto o seu direito à vida. Aliás, o Estado teria o dever de proteger os direitos do feto, inclusive contra os interesses da mãe, até mesmo em casos de anencefalia fetal.
            Em contrapartida, as pessoas que defendem a proibição do aborto nos termos do modo de pensamento "independente", acreditam que a vida tem um valor sagrado, algo que, de certa forma, é respeitado desde os primórdios da humanidade e que, sem sombras de dúvidas, deveria ser mantido como condição da manutenção da equação existente entre humanidade e natureza. 
            Para assombro daqueles que lêem Dworkin, o autor consegue demonstrar por que a maioria das pessoas pensam da forma "independente", e não da "derivativa". Particularmente, sempre acreditei que a maioria das pessoas que defendiam a proibição do aborto o fizessem porque acreditavam que o feto tinha direito à vida, mas, definitivamente, depois de ler Dworkin, mudei de opinião e, hoje, depois de ler as pesquisas que o autor apresenta, bem como suas conclusões lógico-filosóficas, realmente observo que as pessoas são adeptas ao pensamento "independente", ainda que não percebam.
             De qualquer modo, um dos fatos mais interessantes da obra de Dorkin se apresenta quando o autor explica o motivo  que, independentemente  da forma de pensamento que o Estado justifique a proibição do aborto, ambas são inválidas. Ou seja, as leis que proibem o aborto, na maioria dos países ocidentais (inclusive o Brasil) não tem justificativa satisfatória em nenhuma das formas de pensamento e devem ser invalidadas.
             Assim, a proibição do aborto no Brasil, por exemplo, se tomasse como justificativa o modo de pensamento "derivativo" encontraria óbice gigantesco na liberação do aborto em casos de gravidez resultante de estupro. Nesse contexto, parece óbvio que nossa lei não se enquadra ao referido tipo de pensamento, até porque, se assim fosse, estaria admitindo que o direito da mãe de não conceber seu filho unicamente porque foi gerado por estupro é maior do que o direito à vida do feto, uma completa incongruência. O direito à vida do feto, no pensamento "derivativo" é supremo, havendo, inclusive, contradição  na decisão de aborto nos casos de risco de vida da mãe, visto que, não há como valorar se a vida da mãe é tão mais importante que a do filho, afinal, em alguns casos de risco, o feto sobrevive e a mãe não. 
             De outro lado, se a lei brasileira de proibição do aborto fosse justificada pelo modo de pensamento "independente", esbarraria na garantia constitucional de liberdade religiosa. Questiona-se, assim, como um Estado, que se diz "laico", poderá proibir alguma atitude de seus cidadãos considerando uma justificativa baseada em fundamento religioso? Há flagrante conflito nesta pretensão e o Estado, por conclusão óbvia, não poderá influenciar as escolhas de seus cidadãos com base em justificativas  de cunho "sagrado". Haveria verdadeira queda do direito de liberdade religiosa constitucionalmente assegurado.
           Independentemente de nossa opinião sobre o assunto (o presente texto apenas busca sintetizar a opinião de Dworkin - em forma simples e reduzida, para acadêmicos), é importante conhecermos os dois "lados da moeda". Sopesando argumentos, poderemos melhor desenvolver nossas impressões sobre tais hipóteses. 
         

Lucas 

sábado, 2 de abril de 2011

A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO CONFORME O ART. 212 DO CPP.


        A nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal afirma que “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”. Com essa disposição, o Código de Processo Penal, além de inovar, trouxe à letra da lei antiga exigência da melhor doutrina penalista brasileira. Vejamos alguns aspectos importantes desta mudança.
        Antes de tudo, com fito de melhor localizar o leitor, cabe-nos relatar sobre a antiga disposição do referido art. 212, qual seja, a de que as perguntas das partes seriam requeridas ao juiz, que as formulava à testemunha. O juiz não poderia, ainda, recusar as perguntas da parte, salvo se não tivessem relação com o processo ou importassem em repetição de outra já respondida.
        Sob um primeiro olhar, observamos a mitigação do sistema presidencialista de condução das audiências de instrução e julgamento. Antes da reforma, os procuradores direcionavam seus questionamentos ao magistrado que, após filtragem, repassava-nos às testemunhas. Pela disposição atual, cabe ao próprio procurador a realização direta do questionamento, sendo que, caso o magistrado repute a questão como desnecessária, impertinente ou indevida, indeferirá a mesma, isentando a testemunha de resposta.
        Por outro lado, ainda que exaltando a modificação acima citada, a reforma do artigo 212 introduziu mudança ainda mais significativa ao processo penal, sendo que, agora, por meio da interpretação doutrinária e sistemática das disposições legais e constitucionais, o magistrado não deverá, de forma independente, atuar na produção de provas, devendo isentar-se, inclusive, da realização de perguntas que possam conduzir ao descobrimento de fatores até o momento desconhecidos.
        Como é sabido, cabe ao autor da ação o ônus de demonstrar a materialidade delitiva e a autoria por parte do acusado. O juiz, no processo penal, não deverá  incumbir-se da função acusatória, sob pena de violação do princípio acusatório, da imparcialidade e, também, das garantias do contraditório e da ampla defesa. Se o agente ministerial, ou o querelante, não lograram êxito na comprovação dos fatos ou de circunstancias agravantes da pena, tal mister não caberá ao magistrado.
        Em resumo, de forma acertada atua o magistrado quando conduz a oitiva de testemunhas na forma de “relato livre”, com posteriores perguntas da acusação, defesa e, eventualmente, esclarecimentos ao magistrado no final. Desse modo, se a acusação não atuar de forma plena  e satisfatória, não deverá o magistrado despir-se da imparcialidade esperada para buscar  as provas da condenação.
        Sendo assim, a nova redação do artigo 212 representa considerável avanço na prática processual penal. A delimitação das funções de acusação, defesa e julgamento é importantíssima para que se garanta um processo válido, eficaz e justo. 

Lucas 

 
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