A Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais) passou por profundas alterações em junho do corrente ano, com o advento da Lei 12.683/12. Portanto, se o seu vade mecum não foi adquirido neste segundo semestre, possivelmente contém dispositivos derrogados. A principal mudança foi a supressão do rol dos crimes antecedentes: agora, qualquer infração penal pode ser o “crime” antecedente apto a caracterizar a lavagem de dinheiro. Vejamos, então, os aspectos destacados da Lei e suas principais alterações.
1. Histórico da lei
A preocupação com a incriminação da
lavagem de capitais surge na Convenção das Nações Unidas contra o tráfico
ilícito de substâncias entorpecentes, que foi concluída em Viena no dia 20 de
dezembro de 1988 (ratificada no Brasil pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de 1991).
Os Estados signatários dessa
convenção, de certa forma, se conscientizaram de que é quase impossível
combater o tráfico ilícito de drogas. Assim, a melhor maneira seria retirar de
circulação o dinheiro proveniente do tráfico.
2. A expressão “lavagem de dinheiro”
Originou-se nos EUA a partir de 1920
com a expressão em inglês money laundering, quando lavanderias na cidade de
Chicago eram utilizadas pela máfia para lavagem de valores.
Alguns países da Europa, como
Portugal e Espanha, utilizam a expressão “branqueamento” de capitais.
3. Conceito de lavagem de capitais
Lavagem é o processo por meio do
qual bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de infrações penais são integrados ao sistema econômico
financeiro, com a aparência de terem sido obtidos de maneira lícita.
Em outras palavras, a transformação
de dinheiro “sujo” em dinheiro aparentemente limpo (origem lícita).
Obs.:
não é necessário um vulto "assustador"
das quantias envolvidas (STF).
4. Gerações de leis de lavagem de
capitais
Legislação de
primeira geração: o único crime
antecedente era o de tráfico de drogas.
Legislação de
segunda geração: houve uma ampliação
no rol dos crimes antecedentes.
Continuava havendo um rol numerus
clausus.
Legislação de
terceira geração: qualquer crime
grave pode figurar como crime antecedente da lavagem de capitais. Ex.: é o que já
ocorria na Espanha e na Argentina e agora, também no Brasil.
A NOVA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS afastou
a necessidade do antigo rol de crimes antecedentes constantes do art. 1º
da Lei. Agora, qualquer infração penal pode figurar como infração antecedente
da lavagem de capitais. Ex.: se praticar um roubo ou crime de tráfico de
pessoas e ocultar o dinheiro haverá lavagem.
Lei 9.613/98
(redação
original)
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Lei 9.613/98,
com redação dada pela Lei 12.683/12
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Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
II – de
terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº
10.701, de 9.7.2003)
III - de contrabando ou
tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante
seqüestro;
V - contra a Administração
Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de
atos administrativos;
VI - contra o sistema
financeiro nacional;
VII - praticado por
organização criminosa.
VIII – praticado por
particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002)
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.
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Art. 1º Ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de infração penal.
Pena:
reclusão de três a dez anos e multa.
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§ Crime antecedente de roubo praticado antes da
12.683/12, havendo ocultação dos valores em conta corrente de um laranja
(dissimular ou ocultar são crimes de natureza permanente – sua consumação se
prolonga no tempo). Se mantidos os valores ocultados na conta de um laranja, teremos configurado o crime de lavagem de capitais.
Da mesma forma, para crimes
antecedentes praticados antes da Lei 9.613 e mantidos guardados os valores após
a entrada da Lei em vigor, configura-se o crime de lavagem.
Para Luiz Flávio Gomes, tanto o crime
antecedente quanto o crime de lavagem devem ser praticados na vigência da Lei
12.683.
§ O fato de guardar o dinheiro da venda da droga numa
gaveta em casa é um desdobramento natural, é o exaurimento do crime anterior (post factum), não perfectibilizando lavagem alguma.
A
lavagem pressupõe uma nova conduta (aquisição de uma lavanderia, de uma
locadora de vídeos, depósito na conta de um laranja, etc). Veja: nem toda
infração penal acarretará uma lavagem de capitais: esta só ocorre se, após o
exaurimento do crime anterior, uma nova conduta se dá, visando à ocultação
desses valores.
Da fiança e da liberdade provisória
A nova lei passa a admitir a fiança
e a liberdade provisória para crime de lavagem de capitais.
Lei 9.613/98
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Lei 9.613/98,
com redação dada pela Lei 12.683/12
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Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e
liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
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§ O delito de lavagem de capitais passa a admitir
liberdade provisória (mesmo antes da nova lei, esse já era o entendimento
jurisprudencial – STF). Mesmo o tráfico de drogas, segundo o STF, deve admitir
liberdade provisória;
Hoje,
se o cidadão é preso em flagrante por crime de lavagem de capitais, cabe ao
Magistrado avaliar a necessidade da manutenção (conversão em preventiva) da
prisão;
§ Passa o delito a admitir fiança (o que é excelente,
tendo em vista o dinheiro que normalmente é movimentado por que pratica o crime
de lavagem);
§ A nova lei também admite as medidas cautelares
diversas da prisão (art. 319 do CPP), o que, de certa forma, ajuda a "resolver" o
problema carcerário brasileiro. É o que se extrai do art. 17-A (aplicação subsidiária
do CPP);
§ Na lei antiga, era possível o juiz condicionar o
recurso do réu à prisão, o que foi revogado pela nova lei (art. 3º, in fine, da Lei 9.613);
Ponto polêmico
Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público,
este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em
lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu
retorno. (Incluído pela Lei nº
12.683, de 2012)
§ O afastamento do
funcionário é realizado pela autoridade policial (que é o responsável pelo
indiciamento);
§ Aparentemente, o
afastamento procedido por delegado parece um dispositivo inconstitucional.
Cabível seria o requerimento do delegado ao Juiz, que poderia então afastar,
com base no art. 319 do CPP.
Raul
Gomes Nunes