sábado, 24 de novembro de 2012

A "NOVA" LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS

           
            A Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais) passou por profundas alterações em junho do corrente ano, com o advento da Lei 12.683/12. Portanto, se o seu vade mecum não foi adquirido neste segundo semestre, possivelmente contém dispositivos derrogados. A principal mudança foi a supressão do rol dos crimes antecedentes: agora, qualquer infração penal pode ser o “crime” antecedente apto a caracterizar a lavagem de dinheiro. Vejamos, então, os aspectos destacados da Lei e suas principais alterações.
 
 
1. Histórico da lei

 
            A preocupação com a incriminação da lavagem de capitais surge na Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, que foi concluída em Viena no dia 20 de dezembro de 1988 (ratificada no Brasil pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de 1991).

            Os Estados signatários dessa convenção, de certa forma, se conscientizaram de que é quase impossível combater o tráfico ilícito de drogas. Assim, a melhor maneira seria retirar de circulação o dinheiro proveniente do tráfico.

 
2. A expressão “lavagem de dinheiro”

 
            Originou-se nos EUA a partir de 1920 com a expressão em inglês money laundering, quando lavanderias na cidade de Chicago eram utilizadas pela máfia para lavagem de valores.

            Alguns países da Europa, como Portugal e Espanha, utilizam a expressão “branqueamento” de capitais.

 
3. Conceito de lavagem de capitais

 
            Lavagem é o processo por meio do qual bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de infrações penais são integrados ao sistema econômico financeiro, com a aparência de terem sido obtidos de maneira lícita.

            Em outras palavras, a transformação de dinheiro “sujo” em dinheiro aparentemente limpo (origem lícita).

            Obs.: não é necessário um vulto "assustador" das quantias envolvidas (STF).

 
4. Gerações de leis de lavagem de capitais

 
*      Legislação de primeira geração: o único crime antecedente era o de tráfico de drogas.


*      Legislação de segunda geração: houve uma ampliação no rol dos crimes antecedentes.

Continuava havendo um rol numerus clausus.

 
*      Legislação de terceira geração: qualquer crime grave pode figurar como crime antecedente da lavagem de capitais. Ex.: é o que já ocorria na Espanha e na Argentina e agora, também no Brasil.
 

A NOVA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS afastou a necessidade do antigo rol de crimes antecedentes constantes do art. 1º da Lei. Agora, qualquer infração penal pode figurar como infração antecedente da lavagem de capitais. Ex.: se praticar um roubo ou crime de tráfico de pessoas e ocultar o dinheiro haverá lavagem.

 
Lei 9.613/98

(redação original)

Lei 9.613/98, com redação dada pela Lei 12.683/12

 

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

        I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

        II - de terrorismo;

        II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)

        III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;

        IV - de extorsão mediante seqüestro;

        V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

        VI - contra o sistema financeiro nacional;

        VII - praticado por organização criminosa.

        VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). (Inciso incluído pela Lei nº 10.467, de 11.6.2002)

     

   Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

 

 

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

 

Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

       
Discussões acerca da nova lei

 
§  Crime antecedente de roubo praticado antes da 12.683/12, havendo ocultação dos valores em conta corrente de um laranja (dissimular ou ocultar são crimes de natureza permanente – sua consumação se prolonga no tempo). Se mantidos os valores ocultados na conta de um laranja, teremos configurado o crime de lavagem de capitais.

Da mesma forma, para crimes antecedentes praticados antes da Lei 9.613 e mantidos guardados os valores após a entrada da Lei em vigor, configura-se o crime de lavagem.

Para Luiz Flávio Gomes, tanto o crime antecedente quanto o crime de lavagem devem ser praticados na vigência da Lei 12.683.
 

§  O fato de guardar o dinheiro da venda da droga numa gaveta em casa é um desdobramento natural, é o exaurimento do crime anterior (post factum), não perfectibilizando lavagem alguma.

A lavagem pressupõe uma nova conduta (aquisição de uma lavanderia, de uma locadora de vídeos, depósito na conta de um laranja, etc). Veja: nem toda infração penal acarretará uma lavagem de capitais: esta só ocorre se, após o exaurimento do crime anterior, uma nova conduta se dá, visando à ocultação desses valores.


Da fiança e da liberdade provisória

 
            A nova lei passa a admitir a fiança e a liberdade provisória para crime de lavagem de capitais.

 

Lei 9.613/98

Lei 9.613/98, com redação dada pela Lei 12.683/12

 

Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

 

Art. 3º Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.  (Revogado pela Lei nº 12.683, de 2012)

 
§  O delito de lavagem de capitais passa a admitir liberdade provisória (mesmo antes da nova lei, esse já era o entendimento jurisprudencial – STF). Mesmo o tráfico de drogas, segundo o STF, deve admitir liberdade provisória;

Hoje, se o cidadão é preso em flagrante por crime de lavagem de capitais, cabe ao Magistrado avaliar a necessidade da manutenção (conversão em preventiva) da prisão;

 
§  Passa o delito a admitir fiança (o que é excelente, tendo em vista o dinheiro que normalmente é movimentado por que pratica o crime de lavagem);

 
§  A nova lei também admite as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP), o que, de certa forma, ajuda a "resolver" o problema carcerário brasileiro. É o que se extrai do art. 17-A (aplicação subsidiária do CPP);
 

§  Na lei antiga, era possível o juiz condicionar o recurso do réu à prisão, o que foi revogado pela nova lei (art. 3º, in fine, da Lei 9.613);

[...] o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.

Ponto polêmico
Art. 17-D.  Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§  O afastamento do funcionário é realizado pela autoridade policial (que é o responsável pelo indiciamento);
 
§  Aparentemente, o afastamento procedido por delegado parece um dispositivo inconstitucional. Cabível seria o requerimento do delegado ao Juiz, que poderia então afastar, com base no art. 319 do CPP.
 
 
Raul Gomes Nunes


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A FUNÇÃO SIMBÓLICA DO DIREITO PENAL


É cediço que o Estado não possui condições materiais de assegurar todos os direitos previstos na Constituição e na legislação esparsa. Diante das novas situações geradoras de problemas, sobretudo na seara social, tem-se presenciado uma tentativa – normalmente sem êxito – do Estado, ou melhor, do governo, de normatizar prontamente em atenção ao clamor público, amenizar as estatísticas e, talvez assim, reconquistar a confiança nos sistemas político e jurídico.

Abordar a função simbólica do Direito Penal é transcender a mera eficácia jurídica da norma: é abordar o seu significado social e político. A questão ultrapassa a insuficiente concretização jurídica dos diplomas penais e culmina na hipertrofia legislativa verificada atualmente. A legislação simbólica, penal ou não, tem por escopo a) confirmar valores sociais; b) demonstrar a capacidade de ação do Estado; e c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios.[1]

Como confirmação de valores sociais, o legislador se comporta de maneira a impor a superioridade de certa ideologia ou posicionamento, fazendo com que sua vitória legislativa prevaleça sobre as demais teorias, relegando a segundo plano a eficácia normativa da lei. Caracteriza-se por glorificar ou degradar “um grupo em oposição a outros dentro da sociedade”.[2]

Já quando age no sentido de demonstrar (exibir) a capacidade de ação do Estado no tocante à solução dos problemas sociais (legislação-álibi, como vem sendo chamada pela doutrina), o Estado está buscando assegurar ou obter confiança nos seus sistemas jurídico e político. A legislação-álibi aparece como uma rápida e pronta resposta do governo e do Estado, trazendo uma sofismática solução aos problemas sociais, ainda que dissimulando a realidade fática[3]. É a preferida dos governantes, pois possui poder de introduzir uma sensação de bem-estar social, amenizando tensões e pondo-se “a serviço das massas” (de forma aparente, é claro).

Em geral, a complexidade das situações e a necessidade de normatização mais específica e planejada tornam as mudanças decorrentes de mera pressão da sociedade uma legislação inócua, ineficaz. Marcelo Neves alerta que

[...] o emprego abusivo da legislação-álibi leva à descrença no próprio sistema jurídico, transforma persistentemente a consciência jurídica; disso resulta que o público se sente enganado, os atores políticos tornam-se cínicos.[4]


Há também aqueles casos em que a legislação simbólica serve tão somente como ferramenta para o Estado adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios: a promulgação de tais diplomas simbólicos apenas transfere a resolução de conflitos para um futuro incerto.[5]

Como consequência da legislação simbólica, enfim, constata-se uma inexistência ou irrelevância social dos atos normativos promulgados pelo Estado, causando, por vezes, efeitos colaterais mais substanciais do que a própria atenuação dos problemas que careciam de resolução. Conforme Neves, 

[...] além do sentido negativo da legislação simbólica (de ineficácia normativa e vigência social), ela também se apresenta em um sentido positivo: produção de efeitos políticos, e não propriamente jurídicos.[6]

Diante dessa “administrativização do direito penal” afastou-se a função mínima de tutela dos bens jurídicos (princípio da intervenção mínima), tornando-se frequente a criminalização de meras desobediências, fatos que geram perigo abstrato e descumprimento de processos regulamentadores.[7]

Na visão de Cleber Masson, a função simbólica é inerente a todas as leis, inclusive a constitucional, não se restringindo ao âmbito penal. Ela não produz efeitos externos, apenas na mente do povo e daqueles que estão à frente do governo e 

[...] manifesta-se, comumente, no direito penal do terror, que se verifica com a inflação legislativa, criando-se exageradamente figuras penais desnecessárias, ou então com o aumento desproporcional e injustificado das penas para os casos pontuais (hipertrofia do Direito Penal).[8]

A legislação simbólica tem, em verdade, do alto de sua retórica, extrapolado limites sociais de contenção do crime e incidindo em flagrante inocuidade e ineficácia. Leis que não saem do papel, tampouco são executadas e, quando o são, nada mais fazem do que superlotar estabelecimentos prisionais e, sobrepondo-se ao “inchaço legal”, trazem junto o “inchaço” do sistema carcerário.

Por todo o exposto, depreende-se que, apesar do simbolismo contido na promulgação de novos tipos penais, não há que se negar a possibilidade de um despertar e uma conscientização dos cidadãos para a relevância do bem jurídico que se deseja proteger com a nova norma. Entretanto, a simples “criação” de novos crimes sem um largo estudo social acerca do problema a ser combatido ocasiona, em regra, a perda da credibilidade no sistema penal, pois além das constantes violações ao princípio da fragmentariedade, da proporcionalidade e da exclusiva proteção do bem jurídico, o jurisdicionado não presencia nenhum resultado prático no seu cotidiano.


Raul Gomes Nunes


[1] NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. p. 23.
[2] Idem, p. 35.
[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 76-77.
[4] NEVES, op. cit. p. 40-41.
[5] LENZA, op. cit. p. 77.
[6] NEVES, op. cit. p. 42.
[7] CALLEGARI, André Luís; MOTTA, Cristina Reindolff. Estado e política criminal: a expansão do Direito Penal como forma simbólica de controle social. In. CALLEGARI, André Luís (org). Política Criminal, Estado e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 2.
[8] MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal esquematizado: Parte Geral. 5.ed. São Paulo: Método, 2011.

domingo, 19 de agosto de 2012

RESUMO DAS TEORIAS DA JURISDIÇÃO

sábado, 18 de agosto de 2012

LEI DISTRITAL DE NATUREZA ESTADUAL x LEI DISTRITAL DE NATUREZA MUNICIPAL



            O Distrito Federal já foi a nossa capital federal. Não é mais?
Não. Conforme o art. 18, § 1º, da CF/88, a Capital Federal é Brasília, que se situa dentro do Distrito Federal (atenção: Brasília não é um município dentro do DF, pois é vedado ao DF dividir-se em municípios, cf. art. 32, caput, da Lei Maior. Brasília também sedia o governo do DF).
O Distrito Federal é uma unidade federada autônoma, que possui capacidade de se auto-organizar, autogovernar, autoadministrar e autolegislar, tal qual o Rio Grande do Sul ou Santa Catarina.
As competências não legislativas do Distrito Federal (também chamadas pela doutrina de competências materiais ou administrativas) estão listadas no art. 23 da Constituição, competências essas comuns aos quatro entes federativos: União, Estados, DF e Municípios.
O grande diferencial a ser memorizado é que, no que tange às competências legislativas, a nossa Carta Magna atribuiu ao Distrito Federal as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios. Veja:

Art. 32 da CF, § 1º - Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.

Assim, todas as competências estaduais para legislar também serão atribuições do Distrito Federal (leis distritais de natureza estadual), da mesma forma que as atribuições legislativas dos Municípios também o serão (leis distritais de natureza municipal).

Expressa
Art. 32, caput
Lei orgânica do DF
Residual
Art. 25, § 1º
O que não for vedado, estará reservado aos Estados, e, portanto, também ao DF
Delegada
Art. 22, parágrafo único
Lei complementar da União poderá autorizar os Estados e legislar sobre questões específicas (logo, também o DF)
Concorrente
Art. 24
Estabelece as competências concorrentes entre a União, Estados e o DF (municípios NÃO)
Suplementar
Art. 24, §§ 1º ao 4º
Em caráter suplementar-complementar, o DF limitar-se-á a traçar normas específicas às normas gerais já editadas pela União. Em caráter suplementar-supletivo, o DF irá regulamentar situação sobre a qual inexista lei federal estabelecendo normas gerais. Atenção para a literalidade do § 4º  do art. 24 da CF: a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende (apenas suspende) a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário)
Interesse local
Art. 30, inciso I, c/c o art. 32, § 1º
Legislar sobre assuntos de interesse local
Competência tributária expressa
Art. 155 da CF



Raul Gomes Nunes

Referência bibliográfica:

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O DELITO DE MINISTRAR OU PRESCREVER DROGAS NA NOVA LEI (11.343/06)


     As condutas de prescrever e ministrar droga estão presentes tanto no ar. 33, caput, quanto no art. 38, da Lei 11.343/06.
      Observe que, no art. 33, deve haver dolo na prescrição ou no ato de ministrar. No art. 38, mera culpa.
      Trata-se de crime próprio? impróprio? Veja a tabela.
Art. 33, caput
Art. 38
dolo
culpa
   1º.            Droga errada
   2º.            Droga com quantidade errada
   3º.            Droga certa, em quantidade errada, para pessoa errada

Na lei anterior, o tipo penal indicava que só poderia ser praticado por médico, enfermeiro, dentista ou farmacêutico (crime próprio).
Na lei atual, segundo a doutrina majoritária, continua a ser crime próprio, corroborada pela redação do parágrafo único (comunicação ao conselho profissional)
ü  
 @raul_nunes

 
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