sábado, 24 de dezembro de 2011

O NOVO ARTIGO 311-A DO CÓDIGO PENAL (COLA ELETRÔNICA)

      Final de ano. Época de vestibulares. “Véspera” de mundial de futebol no nosso país e, por conseguinte, 2012 possivelmente será o ano dos concursos públicos, conforme já anunciado.
      Conhecemos adolescentes que se preparam durante toda a vida escolar para o ingresso na tão almejada universidade. Outros, nem tão jovens - como eu - desejam incansavelmente a investidura em algum cargo público. E, ressalto, não é a sofismática estabilidade que atrai tanta gente; Por experiência própria, digo que o espírito público é inerente à algumas pessoas, fazendo com que elas só se sintam completas como ser humano exercendo ou fazendo parte do munus público.
      Assim, como evitar a decepção de ter o vestibular fraudado ou o concurso anulado? Ou ainda, descobrir, depois de anos, que a sua vaga foi roubada por alguém que subornou o fiscal da prova...
      No dia 15 de dezembro passado, a presidente sancionou a Lei 12.550/2011, que, entre outras disposições, instituiu o artigo 311-A do Código Penal:

Art. 311-A.  Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:
I - concurso público;
II - avaliação ou exame públicos;
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.
§ 2o  Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 3o  Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público. 
            
      Analisando teleologicamente o dispositivo acima e considerando-se a época de sua publicação, fica claro o caráter de urgência e o simbolismo político nele implícito.
      Simbolismo, porque veio de maneira urgente (pra não dizer de última hora) para preencher uma lacuna do nosso ordenamento.
      Até então, conforme já havia se pronunciado o STF (Inq 1145, Relator:  Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2006, DJe-060 DIVULG 03-04-2008), a “cola eletrônica” era um fato atípico. Embora alguns tenham considerado que esse tipo de fraude caracterizava estelionato (art. 171 do CP), prevaleceu o entendimento de que a dita “cola eletrônica” não era estelionato, pois não se verificava obtenção de vantagem econômica (patrimonial); também não poderia ser enquadrada como falsidade ideológica porque, por mais fraudulenta que fosse a sua origem, as respostas fornecidas pelo candidato teriam correspondência com a realidade.
      Com o advento da Lei em comento, não restam dúvidas de que a “cola eletrônica” passou a ser uma conduta criminosa, pois aquele que envia as respostas ao candidato que faz a prova está divulgando, com o intuito de beneficiar outrem (e a si também), conteúdo sigiloso de certame.
      Da mesma forma, em co-autoria, incide no crime aquele que recebe e utiliza as informações de conteúdo sigiloso com o fim de beneficiar-se, pois o caput do artigo 311-A é claro e abrangente ao empregar os verbos utilizar ou divulgar.
      Como se vê, trata-se o novo artigo do Código Penal (das fraudes em certames de interesse público) de um crime comum, que não exige características especiais do seu agente ativo (v.g., que ele seja servidor público).
      Outrossim, da leitura atenta do dispositivo, pode surgir dúvida quanto à sua aplicabilidade aos certames privados (vestibular de instituições privadas). O inciso III somente refere processo seletivo para ingresso no ensino superior. Da mesma forma, o § 2° (que se trata de uma qualificadora pelo resultado), enuncia que a pena será aumentada se da ação ou omissão resultar dano à administração pública. Assim, conclui-se pela aplicabilidade do crime referido às fraudes em vestibulares privados, bem como outros certames que venham a ser elaborados por empresas privadas.
      Por fim, a crítica que provavelmente virá à tona será em relação à pena cominada aos fraudadores. Reclusão de um a quatro anos* é a mesma pena do furto; é ainda menor que a do estelionato (apesar de o crime me soar como uma modalidade de estelionato).
      Ora, a vítima do crime do 311-A é, invariavelmente, a coletividade; E, de forma solidária, o ente público ou privado que organizou e aplicou a prova, bem como todos os outros candidatos que participaram do exame. A conduta do agente frustra o sonho de milhares de pessoas, em alguns casos a nível nacional. Causa prejuízos financeiros irreparáveis à administração pública em caso de anulação de um concurso. Como pode caber uma pena idêntica à de furto simples?
      Só nos resta esperar pela fiscalização do Estado e correta aplicação da lei, já que, em face da gravidade do delito, da extensão dos danos causados e do anseio popular, o legislador não foi razoável nem proporcional ao cominar pena branda.

Raul Gomes Nunes

*Destaca-se que a pena do artigo 311-A, além de 1 a 4 anos de reclusão, prevê multa. Ressalta-se, também, novo inciso V do artigo 47 do CP (proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos).

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

DIREITOS HUMANOS, SOCIEDADE DO CONTROLE E MONITORAMENTO ELETRÔNICO

O texto de hoje, na verdade um artigo completo, foi escrito pelo colega Cláudio Kowalski, leitor e colaborador do Direito e Jurisdição. Antes de realizar uma leitura completa do artigo, pensei em fazer uma introdução sobre o mesmo, dizendo do que se tratava, como o Autor distribuia as ideias e qual a sua forma de exposição textual. Entretando, depois de lê-lo na íntegra, percebi que a exposição realizada permite uma perfeita compreensão. O trabalho foi muito bem feito e, por isso, não me atrevo a colocar retoques. Segue, portanto, Link para download do texto que, por conter 19 páginas, não encontra suporte para postagem no Blogger.

Caros amigos, o download vale a pena. 

Direitos Humanos, sociedade do controle e monitoramento eletrônico - Cláudio Kowalski


(Instruções: após entrar no Megaupload, espere a contagem dos segundos acaber e clique em "Download comum").

Lucas Appel Mazo

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

PRINCÍPIO DA ACTIO NATA E O PRAZO PRESCRICIONAL

domingo, 18 de dezembro de 2011

sábado, 8 de outubro de 2011

CLASSIFICAÇÕES DOS CRIMES

            Dando continuidade à temática penal trazida pelo companheiro de blog, colaciono material interessante extraído integralmente do sítio http://www.ebah.com.br/.

1) Crimes Comuns: É o que pode ser praticado por qualquer pessoa (lesão corporal, estelionato, furto).É definido no Código Penal.
2) Crimes Especiais: São definidos no Direito Penal Especial. Crime que pressupõe no agente uma particular qualidade ou condição pessoal, que pode ser de cunho social.
3) Crimes Próprios: São aqueles que exigem ser o agente portador de uma capacidade especial. O tipo penal limita o círculo do autor, que deve encontrar-se em uma posição jurídica, como funcionário público, médico, ou de fato, como mãe da vítima (art. 123), pai ou mãe (art. 246) etc.
4) Crime de Mão Própria (Atuação Pessoal): Distinguem-se dos delitos próprios porque estes não são suscetíveis de ser cometidos por um número limitado de pessoas, que podem, no entanto, valer-se de outras para executá-los, enquanto nos delitos de mão própria – embora passíveis de serem cometidos por qualquer pessoa – ninguém os pratica por intermédio de outrem. Como exemplos têm-se o de falsidade ideológica de atestado médico e o de falso testemunho ou falsa perícia.
5) Crimes de Dano: Só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico visado, por exemplo, lesão à vida, no homicídio; ao patrimônio, no furto; à honra, na injúria etc.
6) Crimes de Perigo: O delito consuma-se com o simples perigo criado para o bem jurídico. O perigo pode ser individual, quando expõe ao risco o interesse de uma só ou de um número determinado de pessoas, ou coletivo, quando ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas, tais como nos crimes de perigo comum.
7) Crimes Materiais: Há necessidade de um resultado externo à ação, descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. Ex: Homicídio, furto e roubo.
8) Crimes Formais: Não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que se desenrola a conduta. A lei antecipa o resultado no tipo; por isso, são chamados crimes de conduta antecipada. Ex: Ameaça (art. 147).
9) Crimes de Mera Conduta: A Lei não exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente. Não sendo relevante o resultado material, há uma ofensa (de dano ou de perigo) presumida pela lei diante da prática da conduta. Ex: Violação de domicílio (art. 150).
10) Crimes Comissivos: São os que exigem, segundo o tipo penal objetivo, em princípio, uma atividade positiva do agente, um fazer. Na rixa (art. 137) será o “participar”; no furto (art. 155) o “subtrair” etc.
11) Crimes Omissivos: São os que objetivamente são descritos com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico. Ex: Não prestar assistência a uma pessoa ferida (omissão de socorro, art. 135).
12) Crimes Comissivos por Omissão: A omissão consiste na transgressão do dever jurídico de impedir o resultado, praticando-se o crime que, abstratamente, é comissivo. Ex: Mãe que deixa de amamentar ou cuidar do filho causando-lhe a morte.
13) Crimes Instantâneos: É aquele que, uma vez consumado, está encerrado, a consumação não se prolonga. Isso não quer dizer que a ação seja rápida, mas que a consumação ocorre em determinado momento e não mais prossegue. Ex: Homicídio.
14) Crimes Permanentes: A consumação se prolonga no tempo, dependente da ação do sujeito ativo. Ex: Cárcere privado (art. 148).
15) Crimes Instantâneos de Efeitos Permanentes: Ocorrem quando, consumada a infração em dado momento, os efeitos permanecem, independentemente da vontade do sujeito ativo. Na bigamia (art. 235), não é possível aos agentes desfazer o segundo casamento.
16) Crime Continuado: Compreende uma pluralidade de atos criminosos da mesma espécie, praticados sucessivamente e sem intercorrente punição, a que a lei imprime unidade em razão de sua homogeneidade objetiva.
17) Crimes Principais: Independem da prática de delito anterior.
18) Crimes Acessórios: Sempre pressupõe a existência de uma infração penal anterior, a ele ligada pelo dispositivo penal que, no tipo, faz referência àquela. O crime de receptação (art. 180), por exemplo, só existe se antes foi cometido outro delito (furto, roubo, estelionato etc).
19) Crimes Condicionados: A instauração da persecução penal depende de uma condição objetiva de punibilidade. (art. 7º, II).
20) Crimes Incondicionados: A instauração da persecução penal não depende de uma condição objetiva de punibilidade.
21) Crimes Simples: É o tipo básico, fundamental, que contém os elementos mínimos e determina seu conteúdo subjetivo sem qualquer circunstância que aumente ou diminua sua gravidade. Há homicídio simples, furto simples etc.
22) Crimes Complexos: Encerram dois ou mais tipos em uma única descrição legal. Ex: Roubo (art. 157), que nada mais é que a reunião de um crime de furto (art. 155) e de ameaça (art. 147).
23) Crime Progressivo: Um tipo abstratamente considerado contém implicitamente outro que deve necessariamente ser realizado para se alcançar o resultado. O anterior é simples passagem para o posterior e fica absorvido por este. Assim, no homicídio, é necessário que exista, em decorrência da conduta, lesão corporal que ocasione a morte.
24) Delito Putativo: Dá-se quando o agente imagina que a conduta por ele praticada constitui crime mas em verdade constitui uma conduta atípica, ou seja não há punição para o ato praticado.
25) Crime de Flagrante Esperado: Ocorre quando o indivíduo sabe que vai ser a vítima de um delito e avisa a Polícia, que põe seus agentes de sentinela, os quais apanham o autor no momento da prática ilícita; não se trata de crime putativo, pois não há provocação.
26) Crime de Flagrante Forjado: Alguém, de forma insidiosa, provoca o agente à prática de um crime, ao mesmo tempo que toma providências para que o mesmo não se consuma.
27)Crime Impossível: aquele que jamais poderia ser consumado em razão da ineficácia absoluta do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto. A ineficácia do meio se caracteriza quando o instrumento utilizado não permite que o delito possa ser consumado. Por exemplo: usar um alfinete para matar uma pessoa adulta ou produzir lesões corporais mediante o mero arremesso de um travesseiro de pluma, etc. A impropriedade do objeto se caracteriza quando a conduta do agente não pode provocar nenhum resultado lesivo à vítima. Por exemplo: matar um cadáver.
28) Crime Consumado: Ato que já reuniu todos os elementos da definição legal de um crime.
29) Crime Tentado: O ato que, tendo sua execução iniciada, por circunstâncias alheias à vontade do agente não chega a reunir todos os elementos da definição legal de um crime.
30) Crime Falho: Em sendo a tentativa perfeita, o resultado não se verifica por circunstâncias alheias à vontade do agente. Vale salientar que em tal crime o agente esgota todo o seu potencial lesivo sem contudo alcançar o resultado esperado.
31) Crimes Unissubsistente: É o que se perfaz com um único ato, como a injúria verbal.
32) Crimes Plurissubsistente: É aquele que exige mais de um ato para sua realização. Ex: Estelionato (art. 171).
33) Crimes de Dupla Subjetividade Passiva: É aquele que tem, necessariamente, mais de um sujeito passivo, como é o caso do crime de violação de correspondência (art. 151), no qual o remetente e o destinatário são ofendidos.
34) Crime Exaurido: É aquele em que o agente, mesmo após atingir o resultado consumativo, continua a agredir o bem jurídico. Não caracteriza novo delito, e sim mero desdobramento de uma conduta já consumada. Influencia na dosagem da pena, por pode agravar as consequências do crime, funcionando como circunstância judicial desfavorável.
35) Crime de Concurso Necessário: É o que exige pluralidade de sujeitos ativos. Ex: Rixa (art. 137).
35)Crime Doloso:
Teorias:
  1. Teoria da Vontade: Dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado.
  2. Teoria da Representação: Dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a possibilidade de produção do resultado.
  3. Teoria do Assentimento: Dolo é a vontade de realizar a conduta, assumindo o risco pela produção do resultado.
Teorias Adotadas pelo CP: O art. 18, I, do CP, diz que há crime doloso quando o agente quer o resultado (dolo direto) ou quando assume o risco de produzi-lo (dolo eventual). Na hipótese de dolo direto, o legislador adotou a teoria da vontade e, no caso de dolo eventual, consagrou-se a teoria do assentimento.
36) Crime Culposo: No Crime Culposo, o agente não quer nem assume o risco de produzir o resultado, mas a ele dá causa, nos termos do art. 18, II, do CP, por imprudência, negligência ou imperícia.
Teoria do Crime: Crime culposo é aquele resultante da inobservância de um cuidado necessário, manifestada na conduta produtora de um resultado objetivamente prevísivel, através de imprudência, negligência ou imperícia.
37) Crime Preterdoloso: É apenas uma das espécies dos chamados crimes qualificados pelo resultado. Estes últimos ocorrem quando o legislador, após descrever uma figura típica fundamental, acrescenta-lhe um resultado, que tem por finalidade aumentar a pena.O resultado vai além do dolo do agente. Ex: O agente desfere um soco na vítima, apenas com a intenção de agredi-lo fisicamente, porém, a vítima sofre uma hemorragia e vem a óbito.
38) Crime Simples: Tipo básico, fundamental, que contém os elementos mínimos e determina seu conteúdo subjetivo sem qualquer circunstância que aumente ou diminua sua gravidade. Há homicídio simples (art. 121, caput), furto simples (art. 155, caput) etc.
39) Crime Privilegiado: Existe quando ao tipo básico a lei acrescenta circunstância que o torna menos grave, diminuindo, em consequência, suas sanções. São crimes privilegiados, por exemplo, o homicídio praticado por relevante valor moral (eutanásia, por exemplo). Nessas hipóteses, as circunstâncias que envolvem o fato típico fazem com que o crime seja menos severamente apenado.
40) Crime Qualificado: É aquele em que ao tipo básico a lei acrescenta circunstância que agrava sua natureza, elevando os limites da pena. Não surge a formação de um novo tipo penal, mas apenas uma forma mais grave de ilícito. Chama-se homicídio qualificado, por exemplo, aquele praticado “mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe”. (art. 121, parágrafo 2º, I).
41) Crime Subsidiário: É aquele cujo tipo penal tem aplicação subsidiária, isto é, só se aplica se não for o caso de crime mais grave (periclitação da vida ou saúde de outrem – art. 132, que só ocorre se, no caso concreto, o agente não tinha a intenção de ferir ou matar). Incide o princípio da subsidiariedade.
42) Crime Vago: É aquele que tem por sujeito passivo entidade sem personalidade jurídica, como a coletividade em seu pudor. É o caso do crime de ato obseno (art. 223).
43) Crime de Mera Suspeita: O autor é punido pela mera suspeita despertada. Em nosso ordenamento jurídico, só há uma forma que se assemelha a esse crime, que é a contravenção penal prevista no art. 25 da LCP (posse de instrumentos usualmente empregados para a prática de crime contra o patrimônio, por quem já tenha sido condenado por esse delito).
44) Crime Comum: Atingem bens jurídicos do indivíduo, da família, da sociedade e do próprio Estado, estando definidos no CP e em leis especiais.
45) Crime Político: Lesam ou põem em perigo a própria segurança interna ou externa do Estado. Ex: Lei nº 7.170/83, São crimes políticos os que lesam ou expõem a perigo de lesão: I – a integridade territorial e a soberania nacional.
46) Crime Multitudinário: Cometido por influência de multidão em tumulto (linchamento).
47) Crime de Opinião: É o abuso da liberdade de expressão do pensamento (é o caso do crime de injúria – art. 140).
48) Crime Inominado: Partindo da premissa de que em matéria penal não há direitos adquiridos, criou uma categoria de crimes consistentes na violação de uma regra ou bem jurídico do indivíduo consagrados pela lei penal, apresentando caráter ilícito pela ausência de qualquer direito, legal ou natural, que pudesse favorecer o agente. Seriam punidos no interesse do indivíduo e não no da sociedade. Não aceita pela doutrina esta teoria.
49) Crime de Ação Multipla: O tipo contém várias modalidades de conduta, em vários verbos, qualquer deles caracterizando a prática de crime. Pode-se praticar o crime definido no art. 122, induzindo, instigando ou prestando auxílio ao suicida; o de fabricação, importação, exportação, aquisição ou guarde de objetos obsceno (art. 234) etc. Neste último, as condutas são fases do mesmo crime.
50) Crime de Forma Livre: É o praticado por qualquer meio de execução. Ex: O crime de homicídio (art. 121) pode ser cometido de diferentes maneiras, não prevendo a lei um modo específico de realizá-lo.
51) Crime de Forma Vinculada: O tipo já descreve a maneira pela qual o crime é cometido. Ex: O curandeirismo é um crime que só pode ser realizado de uma das maneiras previstas no tipo penal (art. 284 e incisos, CP).
52) Crime de Ação Penal Pública: Púnivel mediante ação que pode ser movida pelo ofendido ou seu representante, se o ministério público não a mover no prazo legal (art. 29, CPP).
53) Crime de Ação Penal Privada: Púnivel mediante ação que pode ser movida pela própria vítima, e não pelo ministério público.
54) Crime Habitual: Constituido de uma reiteração de atos, penalmente indiferentes, que constituem um todo, um delito apenas, traduzindo geralmente um modo ou estilo de vida. Embora a prática de um ato apenas não seja típica, o conjunto de vários, praticados com habitualidade, configurará o crime. Ex: Curandeirismo, Exercer ilegalmente a medicina.
55) Crime Profissional: Qualquer delito praticado por aquele que exerce uma profissão, utilizando-se dela para a atividade ilícita. Assim, o aborto praticado por médicos ou parteiras, o furto qualificado com chave falsa ou rompimento de obstáculos por serralheiro, etc.
56) Crime Conexo: Crime que é pressuposto, elemento constitutivo, ou agravante de outro (art. 108).
57) Crime de Impeto: Ocorre o crime de ímpeto no homicídio cometido sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação, vez que a pessoa age repentinamente. Logo se conclui, que crime de ímpeto é aquele em que o agente, de forma súbita e ligeira, pratica uma conduta delituosa sem qualquer arquitetura do plano delitivo - que é obra de um ato repentino deste.
58) Crime Funcional: Cometido pelo funcionário público. Crime Funcional próprio é o que só pode ser praticado pelo funcionário público; crime funcional impróprio é o que pode ser cometido também pelo particular, mas com outro nomen juris (p. ex., a apropriação de coisa alheia pode configurar peculato, se cometida por funcionário público, ou a apropriação indébita, quando praticada por particular).
59) Crime a Distância: É aquele em que a execução do crime dá-se em um país e o resultado em outro. Ex: O agente escreve uma carta injuriosa em SP e remete a seu desafeto em Paris. Aplica-se a teoria da ubiquidade, e os dois países são competentes para julgar o crime.
60) Crime Plurilocal: É aquele em que a conduta se dá em um local e o resultado em outro, mas dentro do mesmo país. Aplica-se a teoria do resultado, e o foro competente é o do local da consumação.
61) Delito de referência: É a denominação dada por Maurach ao fato de o sujeito não denunciar um crime conhecido quando iminente ou em grau de realização, mas ainda não concluído, questão que será analisada no concurso de agentes.
62) Delito de Impressão: Causam determinado estado anímico na vítima. Dividem-se em:
a) Delitos de inteligência: os que se realizam com o engano, como o estelionato.
b) Delitos de sentimento: incidem sobre as faculdades emocionais, como a injúria.
c) Delitos de vontade: incidem sobre a vontade, como o constrangimento ilegal.
63) Crime de Simples Desobediência: Consiste crime desobedecer à ordem legal de funcionário público. O exemplo mais claro seria o da ocorrência de prisão por desobediência quando o suposto autor dos fatos for encontrado em atitude suspeita, e que tem sido uma constante quando atuamos em um Juizado Especial Criminal. O cidadão é abordado por policiais em atitude suspeita e desobedece a ordem de parar ou de se submeter à realização de uma busca pessoal. São comuns os casos de pessoas que são conduzidas para a delegacia de polícia e enviadas aos Juizados Especiais Criminais nessa situação.
64) Crime Pluriofensivo: São os que lesam ou expõem a perigo de dano mais de um bem jurídico (ex. art.157, parágr.3. “in fine”)
65) Crime Falimentar: São certos atos, previstos em lei, praticados pelo comerciante antes ou depois de decretada sua falência, como por exemplo, o desvio de bens, ou qualquer outro ato fraudulento, que cause ou possa causar prejuízo aos seus credores. “Os delitos falimentares são os chamados crimes do colarinho branco. Isto porque, a prática criminosa pelo empresário possui certos requintes que a distingue da delinqüência comum.”
66) Crime a prazo: É aquele que se consuma após passado um período de tempo. Ex. art. 129, §1, I, CP.
67) Crime gratuito: Entende-se por crime gratuito aquele praticado sem motivo. Porém, atenção, crime gratuito não se confunde com motivo fútil. No motivo fútil, o motivo existe, mesmo sendo pequeno ou insignificante.
68) Delito de circulação: “Praticado por intermédio do automóvel” (Damásio E. de Jesus)
69) Delito Transuente: Não deixa vestígios.
70) Delito Não Transuente: Deixe vestígios.
71) Crime de Atentado ou de Empreendimento: Delito em que o legislador prevê à tentativa a mesma pena do crime consumado, sem atenuação. (Ex: arts. 352 e 358)
72) Crime em Trânsito: São delitos em que o sujeito desenvolve a atividade em um país sem atingir qualquer bem jurídico de seus cidadãos.
73) Crimes Internacionais: São crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir”. Podemos citar como exemplo o tráfico de mulheres, entorpecentes etc.
74) Quase Crime: São os definidos no Código Penal no art. 17 (crime impossível) e art. 31 (participação impunível).
75) Crime de Tipo Fechado: São aqueles que apresentam a definição completa, como homicídio.
76) Crime de Tipo Aberto: são os que não apresentam a descrição típica completa”. A norma de proibição violada não aparece claramente.
77) Tentativa Branca: Há a tentativa branca quando “o objetivo material não sofre lesão”.
78) Tentativa Cruenta: Quando o sujeito atinge a vítima.
79) Tentativa Incruenta: Quando a vítima não é atingida.
80) Crime Consunto e Consuntivo: É a denominação que recebem os delitos, quando aplicável o princípio da consunção. Crime Consunto: é o absorvido; Crime Consuntivo: o que absorve.
81)Crimes de Responsabilidade: Este tipo de crime é alvo de discussões, pois esta classificação suscita dúvidas no que concerne a sua interpretação. Por vezes é entendido como crimes e infrações de natureza político-administrativas não sancionadas com penas de natureza criminal. Damásio de Jesus define, em sentido amplo, “como um fato violador do dever do cargo ou da função, apenado com uma sanção criminal ou de natureza política.” Divide ainda este tipo de crime em duas espécies: próprio, que constitui delito, e impróprio, que diz respeito à infração político-administrativa.
82) Crimes Hediondos: Toda vez que uma conduta delituosa estivesse revestida de excepcional gravidade, seja na execução, quando o agente revela total desprezo pela vítima, insensível ao sofrimento físico ou moral a que a submete, seja quanto à natureza do bem jurídico ofendido, ainda pela especial condição das vítimas”. A Constituição Federal de 1988 considera estes crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia (art. 5º, inc. XLIII).
83) Crimes Contra a Economia Popular: Obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas, mediante especulações ou processos fraudulentos („bola de neve‟, „cadeias‟, „pichardismo‟, e quaisquer outros meios equivalentes)” – art. 2.º, IX, da Lei n. 1.521/51.
84) Crime contra as relações de consumo: É todo aquele que definido como tal, por lei, atinge de forma direta ou indireta os interesses e necessidades dos consumidores, bem como sua dignidade, saúde, segurança e interesses econômicos. Ex: Pool: coligação feita entre várias pessoas, físicas ou jurídicas, de caráter temporário, visando uma especulação econômica, com a finalidade de eliminar os concorrentes.
85) Crime de Genocídio: É definido como “crime contra a humanidade, que consiste em cometer, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, qualquer dos seguintes atos: I) matar membros do grupo; II) causar-lhes lesão grave à integridade física ou mental.
86) Crimes Ambientais: ato que viola e vai contra as leis impostas pelos governos acerca do meio ambiente, sendo a sua culpabilidade um pressuposto da pena.
87) Crime de Imprensa: Quando há conduta imprópria que resulte em situações de ofensa intencional a cidadãos ou instituições. "Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime, pena: detenção de seis meses a três anos e multa de um a 20 salários mínimos". (Constituição Federal, artigo 20).
88) Contravenções Penais: São infrações consideradas de menor potencial ofensivo que muitas pessoas acabam cometendo no dia a dia, que chegam até a ser toleradas pela sociedade e até por autoridades, mas que não podem deixar de receber a devida punição.
89) Crimes Eleitorais: Os crimes eleitorais são previstos no Código Eleitoral e em leis extravagantes, como nas Leis nº 9.504/97, 6.091/74, 6.996/82, 7.021/82 e Lei Complementar nº 64/90, sendo definidos como condutas lesivas aos serviços eleitorais e ao processo eleitoral. Os crimes eleitorais são tidos como crimes comuns e, não como crimes políticos, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE, REspe nº 16.048-SP, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJU 14.04.2000, p. 96). O delito de corrupção eleitoral ou crime de compra de votos, previsto no art. 299 do Código Eleitoral, é o crime de maior incidência, em virtude do alto grau de corrupção no nosso País.
90) Crimes Contra a Segurança Nacional: Trata-se de proteger a segurança do Estado, como bem interesse de importância fundamental. Essa tutela jurídica se dirige, no plano da segurança externa, à preservação da independência e da integridade do território nacional, e da defesa contra agressão no exterior. No plano de segurança interna, procura-se preservar contra a sedição, os orgãos em que se estrutura o governo, na forma em que a Constituição os prevê.
91) Crimes Militares: Toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Ex: Dormir em serviço.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

DIREITO PENAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

          Na década de 70, foi incorporado ao Direito Penal por estudos de Claus Roxin. Funciona como causa de exclusão da tipicidade, desempenhando uma função restritiva do tipo penal. Para o STF, são requisitos de ordem objetiva para que se configure a bagatela: mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica. Como requisitos subjetivos, devemos pensar que o valor da coisa furtada, por exemplo, deve o ser insignificante também para a vítima, levando-se em consideração sua situação econômica, valor sentimental do bem, etc. Dentro da insignificância, verificamos apenas a existência tipicidade formal, sendo que a material fica afastada. 
     Considerando que a insignificância atua no campo da exclusão de tipicidade, fica possibilitada a concessão de habeas corpus de ofício pelo Judiciário. Além do mais, o STF entende que o trânsito em julgado da condenação não impede o reconhecimento da insignificância.
        Este princípio tem aplicação a qualquer delito que com ele seja compatível. Ex: peculato consistente na apropriação de uma folha de papel em branco.
        Quando há aplicação de violência ou grave ameaça, entretanto, não podemos considerar o princípio da bagatela. Na ocorrência de crime complexo, como roubo, há ofensa a diversos bens jurídicos, sendo inviável a aplicação do instituto, haja vista o interesse estatal na  repressão do crime.
        Também, entende o STF ser impossível a utilização deste princípio frente aos crimes previstos na Lei de Drogas, seja qual for a qualidade do condenado. STJ sustenta a mesma opinião, mas justifica que o tráfico, por exemplo, deve ser combatido sempre, haja vista tratar-se de delito de perigo abstrato praticado contra a saúde pública. O tráfico internacional de armas, no mesmo sentido, é considerado como crime de perigo abstrato e atentatório à segurança pública.
        STJ entendeu pela inaplicabilidade deste princípio frente às fraudes junto ao programa social do Bolsa Família.
        Este princípio é aplicável às infrações de menor, médio e elevado potencial ofensivo, sendo que, neste último caso, não pode o crime ser praticado com violência à pessoa ou grave ameaça. Por exemplo, um furto qualificado pelo concurso de pessoas pode ser alvo de absolvição pelo princípio da bagatela.
        O STJ já entendeu por aplicar a insignificância frente a réu reincidente, visto que tal atitude exclui a tipicidade, nada se relacionando com a dosimetria da pena. O princípio da insignificância não pode ser obstado pela reincidência (STJ). Ademais, condições pessoais desfavoráveis, maus antecedentes e ações penais em curso também não devem ser consideradas; a insignificância deve prevalecer.
        Lembrar: No caso de furto privilegiado (coisa com valor inferior a um salário mínimo), a pena será mais branda, o que não se confunde com a atipicidade caracterizadora da insignificância.
        Ainda, STF tem aceitado a utilização deste princípio frente a atos infracionais (ECA).
        O STJ entende que somente a autoridade judicial tem poder para decidir se o delito deve ser considerado como de bagatela. O doutrinador Cléber Masson, de outro lado, entende que, sendo o princípio da insignificância algo que afasta a tipicidade, poderia a autoridade policial, desde já, considerar a atitude criminosa como abarcada pelo princípio.
     Verifica-se a bagatela imprópria quando, após realizados todos os atos judiciais, entende-se que a aplicação da pena ao agente é descabida, seja por apresentar bons antecedentes, por ter colaborado com a justiça, reparado o dano à vítima, etc. Aqui devemos observar o princípio da necessidade da pena, consagrado no artigo 59, caput, do Código Penal. Ao contrário do que ocorre com a insignificância própria, o sujeito é regularmente processado, a ação penal é iniciada, mas a análise dos fatos pelo Judiciário recomenda a exclusão da pena. A bagatela imprópria tem como pressuposto a não incidência da insignificância própria. 

Lucas Appel Mazo

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

DIREITO PENAL I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

       Direito Penal é o conjunto de princípios e leis destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal. Nele se definem os fatos puníveis e se cominam as penas.
       Cuida-se de ramo do direito público, visto ser composto de regras indisponíveis e obrigatoriamente impostas a todos. Além disso, observamos o Estado como único titular do direito de punir.
     Criminalização primária e secundária são etapas da atividade de criminalização desenvolvida pelo Estado. A primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei primária material, que incrimina ou permite a punição de determinadas pessoas, sendo, portanto, um ato formal, programático. A criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas. É dotada de seletividade e vulnerabilidade (Zaffaroni), pois há grande probabilidade deste poder ser exercido frente a uma camada exclusiva da sociedade.
        O processo é o instrumento adequado para o exercício da jurisdição. O Direito Penal precisa do direito processual, porque este último permite verificar, caso a caso, se concorrem os requisitos genéricos do fato punível (conduta, tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade), assim como os específicos de cada tipo penal.
        Teoria constitucionalista do delito – a definição de condutas criminosas é válida apenas quando alberga valores constitucionalmente consagrados.
        Funções do Direito Penal: proteção dos bens jurídicos; instrumento de controle social, garantia, função ético-social, função simbólica, função motivadora, função de redução da violência estatal, função promocional.
        A proteção de bens jurídicos é a missão precípua, que fundamenta e confere legitimidade ao Direito Penal.
        “Querer combater a criminalidade com Direito Penal é querer eliminar a infecção com analgésicos” (Ney Moura Teles). Manifestação contrária ao “direito penal do terror”, que se verifica com a inflação legislativa, criando-se exageradamente figuras penais desnecessárias, ou então o aumento desproporcional e injustificado das penas para os casos pontuais (hipertrofia do Direito Penal).
      Dogmática Penal – tem as normas positivas como ponto de partida para solução dos problemas. É a interpretação, sistematização e aplicação lógico-racional do Direito Penal.
        Política Criminal – tem por objeto a apresentação de críticas e propostas para a reforma do Direito Penal em vigor. Baseia-se em considerações filosóficas, sociológicas e políticas para propor mudanças.
        Criminologia – ciência que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo. Para a maioria dos autores, Lombroso foi o fundador da criminologia moderna. A criminologia aborda cientificamente os fatores que podem conduzir o homem ao crime. Direito Penal declara “o que deve ser”. Criminologia declara “o que é”.

Lucas Appel Mazo

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A RETROATIVIDADE DA LEI PENAL


            Ao estudarmos Direito Penal I, uma das primeiras lições que temos se atém à retroatividade da lei penal mais benéfica. Sobre o tema, a maioria dos professores se debruça na disposição constitucional do art. 5º, XL - "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Pois bem, ressalvada a importância dada àquelas primeiras lições da matéria e considerando que tais aulas serão a base em que o restante do conhecimento penal do aluno se edificará, acredito que possamos enriquecer o debate sobre o tema.
            Para tanto, incluirei neste texto alguns conceitos que, no decorrer do curso, são ensinados ao acadêmico, ainda que de forma deficiente. Nesta abordagem, então, falaremos especificamente a respeito da retroatividade da norma penal em branco. Para tanto, algumas observações preliminares serão necessárias.
            Primeiramente, cabe lembrar que norma penal em branco é aquela que, fazendo previsão da sanção (preceito secundário), necessita de complemento quanto à descrição da conduta (preceito primário). A descrição desta conduta poderá ocorrer de duas formas e, nesse contexto, temos duas subespécies designadas pela doutrina. Norma penal em branco homogênea, que encontra complemento da descrição da conduta em outra lei. E, de outro lado, norma penal em branco heterogênea, que encontra o complemento da conduta noutra disposição, como, por exemplo, um ato administrativo.
            O que interessa saber, entretanto, é quando, ou melhor, em quais hipóteses teremos retroatividade da lei penal em branco. 
           A retroatividade da norma penal em branco depende do caráter temporal (estabilidade) que a norma complementadora tem. Ou seja, se tomarmos o exemplo da Lei de Drogas (11.343/06), art. 33, teremos a seguinte definição para o crime de tráfico:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

            Como visto, temos clara a existência de uma norma penal em branco, afinal, o termo "drogas" exige uma complementação extra-lei. Ademais, podemos afirmar que tal disposição se encaixa à hipótese de norma penal em branco heterogênea, visto que, a complementação ocorrerá pela via de ato administrativo, qual seja, uma portaria da ANVISA que determinará quais substâncias são proscritas e, assim, podemos considerar como "drogas". (atualmente esta disposição se encontra na portaria 344 da ANVISA, especificamente na "lista F").
            O caráter de uma portaria é temporário? ela tem prazo determinado de validade? possui alguma condição para vigência? 
            Todas estas respostas são "não". E, por isso, podemos considerar que, caso uma resolução venha a atualizar a portaria 344 da ANVISA e, por exemplo, retire desta o item 11 da Lista F, todos os crimes que envolvam o tráfico de cocaína estarão beneficiados pela abolitio criminis, ou seja, cessam os efeitos penais para todos os agentes investigados, processados ou condenados por tal crime. A retroatividade, como inferimos anteriormente, irá se operar para as normas penais em branco com complementação estável e, assim, uma resolução da ANVISA que altere a Portaria 344 poderia, com certeza, produzir os efeitos da abolitio criminis, beneficiando os agente com a retroatividade da nova norma (novatio legis in mellius).
            Por outro lado, se considerarmos que uma norma penal que estabeleça que a venda de chocolates não poderá ultrapassar um preço máximo mensalmente tabelado por portaria, e que, a incorrência em tal crime será punida com reclusão de 1 a 3 anos, podemos, com toda a certeza, dizer que estamos diante de uma norma penal em branco heterogênea, que complementará seu preceito primário pela disposição em uma "tabela mensal" dos preços ditos justos.
            Assim, caso a tabela do mês de junho disponha que o preço máximo de venda do chocolate é de R$ 10,00 (dez reais) e o Sr. Raul, dono de um bar na cidade de Santo Ângelo vender chocolates por R$ 15,00 (quinze reais), podemos concluir que, mesmo que a tabela dos preços do mês de Agosto venha dispor que o preço máximo de venda seja de R$ 50,00 (cinquenta reais), ou seja, mesmo que uma nova tabela venha a beneficiar o Sr. Raul, não poderemos considerar a ocorrência de retroatividade da lei e, muito menos, da abolitio criminis.
            Explico, diferentemente do primeiro exemplo, onde a portaria da ANVISA tinha caráter estável e sem prazo determinado, a tabela mensal de preços de chocolate (segundo exemplo) era norma instável, com prazo de vigência limitado, e, assim, os crimes praticados na constância desta "tabela mensal de preços de chocolates" não serão beneficiados, ainda que as novas tabelas mensais venham a favorecer a situação do réu.
            
Lucas 


 



quinta-feira, 26 de maio de 2011

A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

            Peço vênia para parafrasear o Prof. Pedro Lenza nas linhas a seguir, trazendo aos colegas um breve resgate, porém útil, dos conhecimentos da disciplina de Direito Constitucional I (que provavelmente nos serão exigidos no exame da ordem).
            A classificação abaixo faz eco à sistematização de José Afonso da Silva, pioneiro no estudo dessa matéria (em 1967), estabelecendo o critério atualmente adotado pelo STF.

a) Normas Constitucionais de Eficácia Plena:
            Por vezes chamadas de normas de aplicação direta, imediata e integral, produzem efeito imediato a partir de sua entrada em vigor, prescindindo de quaisquer outras normatizações infraconstitucionais. São auto-aplicáveis, uma vez que recebem do constituinte a força necessária para sua incidência imediata. Não necessitam, portanto, de integração posterior, inferior ou superior. Dispõem, em geral, acerca da criação de órgãos ou sobre a competência dos entes federativos.

b) Normas Constitucionais de Eficácia Contida:
            Mais adequadamente denominadas pelo constitucionalista Michel Temer (nosso atual vice-presidente) de normas de eficácia redutível ou restringível, elas também possuem aplicabilidade imediata, porém, possivelmente, terão sua eficácia e aplicabilidade limitadas (restritas), devido à superveniência de norma infraconstitucional (ou mesmo por outra norma constitucional). Entretanto, enquanto não existir o fator de restrição, apresentam eficácia plena.

c) Normas Constitucionais de Eficácia Limitada:
            Diferentemente dos casos anteriores, esses dispositivos somente irão produzir seus efeitos após regramento infraconstitucional ulterior. Sua aplicabilidade, portanto, será mediata (diferida). Logo, o constituinte atribui um dever ao legislador ordinário, qual seja, integrar o texto constitucional.

            É interessante, pois, complementar o estudo desse tema através da obra infra-referenciada, visto que há outros doutrinadores com entendimentos semelhantes, mas que utilizam terminologia diversa para qualificar e quantificar o fenômeno da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais.           

Raul Gomes Nunes

Referência bibliográfica:

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 135-148.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A ATIVIDADE DO JURADO E A LIBERDADE RELIGIOSA

          Em texto anterior falamos sobre a liberdade religiosa e as datas para concursos, sendo que, naquela ocasião, concluimos que por mais que o Estado tenha o dever de respeitar a garantia constitucional de liberdade religiosa, protegendo os locais de culto e suas liturgias, a administração pública não está vinculada aos preceitos de qualquer entidade de cunho religioso. Quer dizer, assim, que os concursos marcados para sábados, domingos ou quaisquer outros dias "sagrados" não estão, definitivamente, violando a garantia constitucional da liberdade de crença. A atividade pública não precisa se adequar às prescições de qualquer rito.
          O inciso VI do art. 5º de nossa Constituição assegura que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;", no mesmo sentido, o inciso VIII afirma que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;".
          O Código de Processo Penal, em seu art. 436 dispõe no Art. 436 que "o serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade". Diante de tal afirmação, percebemos a existência de uma imposição legal ao exercício do cargo de jurado. Assim, estando em consonância com a parte final do inciso VIII do art. 5º da CF, a atuação do jurado seria uma exigência ou obrigação legal e o cidadão, desse modo, estaria impedido de invocar convicção religiosa ou filosófica para eximir-se da obrigação imposta em lei.
          Entretanto, a própria legislação processual penal abarcou a hipótese de invocação de convivcção religiosa ou filosófica para o caso de recusa do serviço de jurado, assim, dispôs-se na nova redação do Art. 438 que a recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. 
          Ao que nos parece, somente com a reforma do CPP pela lei 11.689 de 2008, o legislador encontrou a razoabilidade exigida ao caso concreto do jurado no Tribunal do Juri. Se, por um lado, a aplicação de provas e concursos em determinados dias da semana não infringe a liberdade religiosa constitucionalmente garantida, por outro, com relevante sensibilidade agiu o legislador na dispensa do jurado que, devido a suas convicções, poderá se eximir do ônus legal no Tribunal. Afinal, algumas crenças pregam como único e verdadeiro o "julgamento divino" e, neste caso, o procedimento jurisdicional aqui estudado restaria prejudicado em sua atividade decisória subjetivamente complexa.
        

Lucas 

quarta-feira, 20 de abril de 2011

SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DA PROVA

            As leituras da obra Curso de Direito Processual Penal, do autor Nestor Távora, incentivaram-me a compartilhar algumas informações que julgo interessantes. Saliento que, mesmo com a prevista reforma do CPP, tal matéria continuará em voga, pois se atém, muito mais, à análise do processo geral do que propriamente do processo penal.
          Vejamos: 
          O objetivo da prova no processo é o convencimento do julgador. Por meio do manancial probatório juntado aos autos, a parte poderá demonstrar a existência, validade e eficácia de determinado fato jurídico, bem como do direito pessoal que recai sobre este fato. "Esta é a fase da instrução processual, onde se utilizam elementos disponíveis para descortirar a verdade do que se alega, na busca de um provimento judicial favorável".
           No sistema jurídico brasileiro e, especificamente tratando-se de direito processual penal, podemos citar a existência predominante de um tipo de apreciação da prova, qual seja: o consagrado sistema do livre convencimento motivado. Nele, cabe ao magistrado a tarefa de análise dos fatos e das provas constantes no processo, sendo que, por livre sopesamento e valoração dos documentos, declarações e exames existentes nos autos, poderá o magistrado sustentar sua decisão, desde que o faça de forma motivada, ou seja, com fundamentação jurídica plausível. Assim "Não existe hierarquia entre as provas, cabendo ao juiz imprimir na decisão o grau de importância das provas produzidas". De toda forma, como salientei anteriormente, "essa liberdade, por sua vez, não é sinônimo de arbítrio, cabendo ao magistrado, alinhado às provas trazidas aos autos, fundamentar a decisão, revelando, com amparo no manacial probatório, o porquê do seu convencimento, assegurando o direito das partes e o interesse social".
            Entretanto, é comum que o estudante de direito, e até mesmo o profissional, façam confusão quanto aos termos "reitor" e "exclusivo" no tratamento dos sistemas de apreciação da prova. Na maioria dos manuais de Teoria Geral do Processo, Processo Civil e Processo Penal encontraremos o termo "reitor" quando qualificam o sistema de apreciação probatória do livre convencimento motivado. Porém, quando observamos tal anotação, não podemos pensar em "exclusividade" deste sistema, pois outros dois são encontrados em nosso ordenamento.
            O sistema da certeza moral do juiz, ou íntima convicção, é caracterizado pela total liberdade de apreciação das provas pelo julgador, ficando ele, inclusive, isento da obrigação de motivação na decisão. Pode utilizar-se, ainda, de elementos que sequer constam nos autos, bem como suas crenças pessoais e preconceitos morais, afinal de contas, não  é necessário fundamentar o veredito. A segunda fase do julgamento pelo Tribunal do Júri, quando os jurados decidem sobre a condenação ou absolvição do réu, representa o melhor exemplo de aplicação deste sistema no Brasil.
            Por fim, o sistema da certeza moral do legislador, ou da prova tarifada, é caracterizado pela valorização de determinadas provas em detrimento de outras pela via legal. Ou seja, a própria lei determina o peso de cada prova, estabelecendo hierarquia entre elas e, dessa forma, mitiga a liberdade apreciativa do julgador. Como exemplo, podemos citar o artigo 158 do Código de Processo Penal, quando estabelece que o exame de corpo de delito, em crimes que deixam vestígios, não poderá ser substituído por confissão.
            É obvio que o primeiro sistema que abordamos é amplamente aceito em nosso ordenamento, até porque, se enquadra às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório tão exigidas em nossa doutrina e jurisprudência. Porém, cabe alertar que a vigência desse sistema não é exclusiva, mas sim, majoritária ou preferida.

Lucas 

sábado, 9 de abril de 2011

O ABORTO - POR RONALD DWORKIN

            Ronald Dworkin é um filósofo do Direito norte-americano e, atualmente, é professor de Teoria Geral do Direito na University College London e na New York University School of Law. Estudou na Universidade Harvard e no Magdalen College da Universidade Oxford, onde era aluno de Rupert Cross e um Rhodes Scholar. Depois, estudou na Harvard Law School e, posteriormente, atuou como assistente do renomado juiz Learned Hand da Corte de Apelo dos Estados Unidos. Em 1969, Dworkin foi indicado para a Cadeira de Teoria Geral do Direito em Oxford como sucessor de H.L.A. Hart. Depois de se aposentar de Oxford, Dworkin assumiu a cátedra Quain de Filosofia do direito em University College London, assumindo, em seguida, a cátedra Bentham de Teoria do direito, uma posição que ainda mantém.
            Estou terminando a leitura do livro "O domínio da vida", que Dworkin escreveu em 1993. Na obra, o autor reflete sobre algumas questões de grande discussão e contradição na sociedade ocidental mundial, tais como, aborto, eutanásia e tratamento da velhice. O livro, em si, é rico em abstrações e exemplos filosóficos que explicam as opiniões de Dworkin. Durante as explanações, o autor evita referenciar teorias filosóficas de certa complexidade, preferindo, em contraparida, oferecer exemplos que esclareçam o leitor sobre as diferentes formas de pensamento filosófico sobre os assuntos tratados.
            Em linhas gerais, procurarei sintetizar a opinião de Dowrkin sobre o aborto. Acredito que a leitura completa do livro continue sendo indispensável para qualquer acadêmico de direito, principalmente aos que desejam entender o ordenamento jurídico, e não apenas aplicá-lo.
             Além disso, é necessário salientar que a pesquisa se atém, principalmente, ao seguinte aspecto: Deve o Estado interferir nas decisões particulares e, assim, proibir o aborto por meio de previsão legal penal?
             Para discutir tal questão, o autor elenca dois modos de pensamento que podem basear a justificativa da proibição do aborto, ambos presentes na sociedade ocidental, sendo eles, o modo de pensamento "derivativo" e o  "independente".
            Aquelas pessoas que defendem a proibição do aborto de acordo com o pensamento "derivativo" entendem que o feto, desde a concepção, é um sujeito com direitos individuais e, dessa forma, ninguém poderia retirar do feto o seu direito à vida. Aliás, o Estado teria o dever de proteger os direitos do feto, inclusive contra os interesses da mãe, até mesmo em casos de anencefalia fetal.
            Em contrapartida, as pessoas que defendem a proibição do aborto nos termos do modo de pensamento "independente", acreditam que a vida tem um valor sagrado, algo que, de certa forma, é respeitado desde os primórdios da humanidade e que, sem sombras de dúvidas, deveria ser mantido como condição da manutenção da equação existente entre humanidade e natureza. 
            Para assombro daqueles que lêem Dworkin, o autor consegue demonstrar por que a maioria das pessoas pensam da forma "independente", e não da "derivativa". Particularmente, sempre acreditei que a maioria das pessoas que defendiam a proibição do aborto o fizessem porque acreditavam que o feto tinha direito à vida, mas, definitivamente, depois de ler Dworkin, mudei de opinião e, hoje, depois de ler as pesquisas que o autor apresenta, bem como suas conclusões lógico-filosóficas, realmente observo que as pessoas são adeptas ao pensamento "independente", ainda que não percebam.
             De qualquer modo, um dos fatos mais interessantes da obra de Dorkin se apresenta quando o autor explica o motivo  que, independentemente  da forma de pensamento que o Estado justifique a proibição do aborto, ambas são inválidas. Ou seja, as leis que proibem o aborto, na maioria dos países ocidentais (inclusive o Brasil) não tem justificativa satisfatória em nenhuma das formas de pensamento e devem ser invalidadas.
             Assim, a proibição do aborto no Brasil, por exemplo, se tomasse como justificativa o modo de pensamento "derivativo" encontraria óbice gigantesco na liberação do aborto em casos de gravidez resultante de estupro. Nesse contexto, parece óbvio que nossa lei não se enquadra ao referido tipo de pensamento, até porque, se assim fosse, estaria admitindo que o direito da mãe de não conceber seu filho unicamente porque foi gerado por estupro é maior do que o direito à vida do feto, uma completa incongruência. O direito à vida do feto, no pensamento "derivativo" é supremo, havendo, inclusive, contradição  na decisão de aborto nos casos de risco de vida da mãe, visto que, não há como valorar se a vida da mãe é tão mais importante que a do filho, afinal, em alguns casos de risco, o feto sobrevive e a mãe não. 
             De outro lado, se a lei brasileira de proibição do aborto fosse justificada pelo modo de pensamento "independente", esbarraria na garantia constitucional de liberdade religiosa. Questiona-se, assim, como um Estado, que se diz "laico", poderá proibir alguma atitude de seus cidadãos considerando uma justificativa baseada em fundamento religioso? Há flagrante conflito nesta pretensão e o Estado, por conclusão óbvia, não poderá influenciar as escolhas de seus cidadãos com base em justificativas  de cunho "sagrado". Haveria verdadeira queda do direito de liberdade religiosa constitucionalmente assegurado.
           Independentemente de nossa opinião sobre o assunto (o presente texto apenas busca sintetizar a opinião de Dworkin - em forma simples e reduzida, para acadêmicos), é importante conhecermos os dois "lados da moeda". Sopesando argumentos, poderemos melhor desenvolver nossas impressões sobre tais hipóteses. 
         

Lucas 

sábado, 2 de abril de 2011

A ATUAÇÃO DO MAGISTRADO CONFORME O ART. 212 DO CPP.


        A nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal afirma que “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida”. Com essa disposição, o Código de Processo Penal, além de inovar, trouxe à letra da lei antiga exigência da melhor doutrina penalista brasileira. Vejamos alguns aspectos importantes desta mudança.
        Antes de tudo, com fito de melhor localizar o leitor, cabe-nos relatar sobre a antiga disposição do referido art. 212, qual seja, a de que as perguntas das partes seriam requeridas ao juiz, que as formulava à testemunha. O juiz não poderia, ainda, recusar as perguntas da parte, salvo se não tivessem relação com o processo ou importassem em repetição de outra já respondida.
        Sob um primeiro olhar, observamos a mitigação do sistema presidencialista de condução das audiências de instrução e julgamento. Antes da reforma, os procuradores direcionavam seus questionamentos ao magistrado que, após filtragem, repassava-nos às testemunhas. Pela disposição atual, cabe ao próprio procurador a realização direta do questionamento, sendo que, caso o magistrado repute a questão como desnecessária, impertinente ou indevida, indeferirá a mesma, isentando a testemunha de resposta.
        Por outro lado, ainda que exaltando a modificação acima citada, a reforma do artigo 212 introduziu mudança ainda mais significativa ao processo penal, sendo que, agora, por meio da interpretação doutrinária e sistemática das disposições legais e constitucionais, o magistrado não deverá, de forma independente, atuar na produção de provas, devendo isentar-se, inclusive, da realização de perguntas que possam conduzir ao descobrimento de fatores até o momento desconhecidos.
        Como é sabido, cabe ao autor da ação o ônus de demonstrar a materialidade delitiva e a autoria por parte do acusado. O juiz, no processo penal, não deverá  incumbir-se da função acusatória, sob pena de violação do princípio acusatório, da imparcialidade e, também, das garantias do contraditório e da ampla defesa. Se o agente ministerial, ou o querelante, não lograram êxito na comprovação dos fatos ou de circunstancias agravantes da pena, tal mister não caberá ao magistrado.
        Em resumo, de forma acertada atua o magistrado quando conduz a oitiva de testemunhas na forma de “relato livre”, com posteriores perguntas da acusação, defesa e, eventualmente, esclarecimentos ao magistrado no final. Desse modo, se a acusação não atuar de forma plena  e satisfatória, não deverá o magistrado despir-se da imparcialidade esperada para buscar  as provas da condenação.
        Sendo assim, a nova redação do artigo 212 representa considerável avanço na prática processual penal. A delimitação das funções de acusação, defesa e julgamento é importantíssima para que se garanta um processo válido, eficaz e justo. 

Lucas 

 
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