quinta-feira, 2 de junho de 2011

A RETROATIVIDADE DA LEI PENAL


            Ao estudarmos Direito Penal I, uma das primeiras lições que temos se atém à retroatividade da lei penal mais benéfica. Sobre o tema, a maioria dos professores se debruça na disposição constitucional do art. 5º, XL - "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Pois bem, ressalvada a importância dada àquelas primeiras lições da matéria e considerando que tais aulas serão a base em que o restante do conhecimento penal do aluno se edificará, acredito que possamos enriquecer o debate sobre o tema.
            Para tanto, incluirei neste texto alguns conceitos que, no decorrer do curso, são ensinados ao acadêmico, ainda que de forma deficiente. Nesta abordagem, então, falaremos especificamente a respeito da retroatividade da norma penal em branco. Para tanto, algumas observações preliminares serão necessárias.
            Primeiramente, cabe lembrar que norma penal em branco é aquela que, fazendo previsão da sanção (preceito secundário), necessita de complemento quanto à descrição da conduta (preceito primário). A descrição desta conduta poderá ocorrer de duas formas e, nesse contexto, temos duas subespécies designadas pela doutrina. Norma penal em branco homogênea, que encontra complemento da descrição da conduta em outra lei. E, de outro lado, norma penal em branco heterogênea, que encontra o complemento da conduta noutra disposição, como, por exemplo, um ato administrativo.
            O que interessa saber, entretanto, é quando, ou melhor, em quais hipóteses teremos retroatividade da lei penal em branco. 
           A retroatividade da norma penal em branco depende do caráter temporal (estabilidade) que a norma complementadora tem. Ou seja, se tomarmos o exemplo da Lei de Drogas (11.343/06), art. 33, teremos a seguinte definição para o crime de tráfico:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

            Como visto, temos clara a existência de uma norma penal em branco, afinal, o termo "drogas" exige uma complementação extra-lei. Ademais, podemos afirmar que tal disposição se encaixa à hipótese de norma penal em branco heterogênea, visto que, a complementação ocorrerá pela via de ato administrativo, qual seja, uma portaria da ANVISA que determinará quais substâncias são proscritas e, assim, podemos considerar como "drogas". (atualmente esta disposição se encontra na portaria 344 da ANVISA, especificamente na "lista F").
            O caráter de uma portaria é temporário? ela tem prazo determinado de validade? possui alguma condição para vigência? 
            Todas estas respostas são "não". E, por isso, podemos considerar que, caso uma resolução venha a atualizar a portaria 344 da ANVISA e, por exemplo, retire desta o item 11 da Lista F, todos os crimes que envolvam o tráfico de cocaína estarão beneficiados pela abolitio criminis, ou seja, cessam os efeitos penais para todos os agentes investigados, processados ou condenados por tal crime. A retroatividade, como inferimos anteriormente, irá se operar para as normas penais em branco com complementação estável e, assim, uma resolução da ANVISA que altere a Portaria 344 poderia, com certeza, produzir os efeitos da abolitio criminis, beneficiando os agente com a retroatividade da nova norma (novatio legis in mellius).
            Por outro lado, se considerarmos que uma norma penal que estabeleça que a venda de chocolates não poderá ultrapassar um preço máximo mensalmente tabelado por portaria, e que, a incorrência em tal crime será punida com reclusão de 1 a 3 anos, podemos, com toda a certeza, dizer que estamos diante de uma norma penal em branco heterogênea, que complementará seu preceito primário pela disposição em uma "tabela mensal" dos preços ditos justos.
            Assim, caso a tabela do mês de junho disponha que o preço máximo de venda do chocolate é de R$ 10,00 (dez reais) e o Sr. Raul, dono de um bar na cidade de Santo Ângelo vender chocolates por R$ 15,00 (quinze reais), podemos concluir que, mesmo que a tabela dos preços do mês de Agosto venha dispor que o preço máximo de venda seja de R$ 50,00 (cinquenta reais), ou seja, mesmo que uma nova tabela venha a beneficiar o Sr. Raul, não poderemos considerar a ocorrência de retroatividade da lei e, muito menos, da abolitio criminis.
            Explico, diferentemente do primeiro exemplo, onde a portaria da ANVISA tinha caráter estável e sem prazo determinado, a tabela mensal de preços de chocolate (segundo exemplo) era norma instável, com prazo de vigência limitado, e, assim, os crimes praticados na constância desta "tabela mensal de preços de chocolates" não serão beneficiados, ainda que as novas tabelas mensais venham a favorecer a situação do réu.
            
Lucas 


 



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